Jornal de Angola

Falciforma­ção atinge cerca de 2%da população angolana

Instituto Hematológi­co Dra. Victória do Espírito Santo diagnostic­ou 858 novos casos, desde a sua inauguraçã­o, em Março deste ano, pelo Presidente da República, João Lourenço

- Alexa Sonhi

Cerca de dois por cento da população angolana sofre de anemia de células falciforme (hemoglobin­a SS) e outros 20% são portadores do problema (hemoglobin­a AS), segundo um estudo desenvolvi­do por especialis­tas do Hospital Pediátrico David Bernardino, entre 2011 e 2020.

A médica pediatra Brígida dos Santos, que no período em referência coordenava a área de Anemia de Células Falciforme, disse que estes números representa­m um risco muito grande para o país.

O alerta da médica surge do facto de pessoas poderem constituir-se casais e, futurament­e, gerarem filhos tanto portadores como doentes de falciforma­ção, que já é considerad­o um sério problema de saúde pública em Angola.

Brígida dos Santos explicou que, na época, era mais fácil fazer-se o diagnóstic­o da patologia, uma vez que em quase todas as maternidad­es de Luanda e não só realizavam-se, logo à nascença, o Exame do Pezinho, nome popular do teste de Guthrie, que permite detectar nas primeiras 48 horas de vida a presença da doença.

“As maternidad­es colhiam o sangue e enviavam para o Hospital Pediátrico de Luanda, para que fizéssemos o diagnóstic­o e apresentál­as os resultados e permitir que essas instituiçõ­es começassem já a fazer o seguimento da criança”, explicou.

Actualment­e, realçou, há limitações de prosseguir-se com o programa e fica difícil saber quantas crianças com falciforma­ção nascem no país ou mesmo em Luanda, se não forem parar na Pediatria de Luanda.

Brígida dos Santos, actual directora clínica do Instituto Hematológi­co Dra. Victória do Espírito Santo, frisou que, a par do estudo feito, o Hospital Pediátrico de Luanda também criou um programa que visava capacitar mais

profission­ais das várias unidades de saúde, no que tocava

ao diagnóstic­o e acompanham­ento da doença.

Este programa permitiu que hospitais como o Materno-infantil do Kilamba Kiaxi, Cajueiros, Municipal de Cacuaco, Provincial do

Huambo e Cabinda, entre outros, passassem a ter consultas dedicadas à anemia de células falciforme, a assistir e a acompanhar muitos pacientes.

A pediatra referiu que

essas unidades fazem a monitoriza­ção dos pacientes a todo o tempo e só devem transferir os casos mais graves da doença, em via de regra, para a Pediatria de Luanda e, agora, ao Instituto Hematológi­co, criado propositad­amente para atender, de f orma diferencia­da, pacientes de anemia de células falciforme e hemofilia.

Média de casos novos

A especialis­ta em Pediatria, que tem, igualmente, uma formação em Hematologi­a, disse que antes da pandemia da Covid- 19, a média de casos era de cerca de mil novos casos de anemia de células falciforme por ano.

Mas, a partir de 2020, por causa das limitações impos

tas pela pandemia, a Pediatria registou 400 novos casos. Em 2021, os números a umentaram para 9 4 7 diagnostic­ados e, neste ano, já estão anotados 472 novos doentes.

Além desses dados, obtidos em consultas na Pediatria de Luanda, a médica fez referência às estatístic­as do Instituto Hematológi­co Dra. Victória do Espírito Santo, onde já foram diagnostic­ados 858 novos casos, desde a sua inauguraçã­o em Março deste ano.

Questionad­a se o Hospital Pediátrico de Luanda vai continuar a receber crianças com falciforma­ção, tendo em conta a entrada em funcioname­nto do Instituto Hematológi­co, Brígida dos

Santos explicou que a primeira instituiçã­o está a tratar das consultas iniciais e das crianças que fazem poucas crises, sendo que os casos mais complexos vão parar à segunda instituiçã­o, por ter mais valências.

Explicou que o instituto tem cariz ambulatóri­o, onde os pacientes fazem consultas, são medicados e voltam para casa. Mas, se a situação for grave, disse que os mesmos ficam, por algumas horas, sob observação, fazem o tratamento e, caso não melhorem, são i nternadas no Hospital Pediátrico.

Mortalidad­e chega aos 15%

Brígida dos Santos lamentou o facto de dados da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) indicarem que a mortalidad­e infantil, até aos cinco anos, por anemia de células falciforme tem um peso mundial na ordem dos 15%.

Em Angola, particular­mente no Hospital Pediátrico de Luanda, das 1.256 crianças internadas, pelo menos 38 resultaram em óbitos, só no ano passado.

“E vale dizer que o número de mortes pode ser maior, porque muitas falecem sem terem um diagnóstic­o da doença e só se dá conta depois de se fazer um histórico familiar, quando os pais aparecem em consulta com um outro filho, às vezes”, exemplific­ou a médica.

Pais doentes dão filhos doentes

A directora clínica do Instituto Hematológi­co avançou que, na anemia falciforme, além dos doentes existem, também, os portadores.

“A diferença é que um doente tem as duas hemoglobin­as SS, já os portadores têm uma A e outra S, daí serem AS”, explicou a médica.

A especialis­ta em Hematologi­a esclareceu que o casal que é portador da doença (hemoglobin­a AS) pode gerar filhos com a doença, porque, no acto da fecundação, o bebé possivelme­nte herda as hemoglobin­as S do pai e da mãe e, assim, nascer doente (SS).

“Este mesmo casal também pode gerar filhos com traços da doença, tendo em conta que a criança vai herdar a hemoglobin­a S do pai e A da mãe, nascendo portadora ( AS) e nunca manifestar nenhuma complicaçã­o durante a sua vida, podendo ser, inclusive, um atleta de alta competição, sem problemas”, minimizou.

Brígida dos Santos informou, ainda, que o referido casal pode gerar filho sem nenhum traço de anemia falciforme, pelo facto do bebé herdar a hemoglobin­a A, quer do pai quer da mãe e resultando em AA.

Quanto às pessoas j á doentes (hemoglobin­as SS), a médica disse que esses terão sempre filhos doentes. “Um homem que é SS, se fizer filho com uma mulher portadora, só terão ou filhos doentes ou portadores. Nunca vão gerar crianças livres dos traços de anemia falciforme”.

Por isso, aconselhou que “não convém que se façam

filhos com pessoas do mesmo grupo, para cortar esta cadeia de transmissã­o ou, melhor, os novos casais devem ganhar o hábito de fazer exames prénupciai­s e evitar sofrimento e separações futuras, por terem gerado filhos doentes”.

Medicação é diária

Todos os dias, os doentes de

anemia falciforme devem tomar o ácido fólico e hidroxiuré­ia, assim como antibiótic­os específico­s sempre que necessário, para prevenir as formas graves da doença.

A par disso, os doentes devem seguir uma alimentaçã­o variada, equilibrad­a e sem restrições, sem esquecer que devem ser higiénicos e devidament­e vestidos de acordo com a estação, o que reduz as crises.

A médica salientou que os medicament­os nem sempre estão disponívei­s em todas as unidades onde se faz o acompanham­ento dos doentes falciforme­s. “Logo, fica complicado para muitas famílias com poucos recursos adquirir os fármacos nas farmácias, o que complica mais ainda o quadro de alguns pacientes”, lamentou.

Sobre o acompanham­ento dos doentes, Brigida dos Santos realçou que este deve ser multidisci­plinar, envolvendo vários especialis­tas, porque a doença atinge vários órgãos. E, no caso específico dos homens, normalment­e, quando atingem os 10 ou 12 anos desenvolve­m o priapismo, que é a erecção prolongada e dolorosa do pénis, devido à falta de oxigénio no sangue.

Neste caso, prosseguiu a especialis­ta, estes pacientes também devem ser seguidos por um urologista, para com uma medicação adequada, sintam a redução desses sintomas. “Se não forem controlado­s, os doentes podem cair, na vida adulta, na lista dos inférteis”, rematou.

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KINDALA MANUEL | EDIÇÕES NOVEMBRO Instituto Hematológi­co veio dar outra dinâmica ao atendiment­o a casos de anemia falciforme
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EDUARDO PEDRO |EDIÇÕES NOVEMBRO Pediatra Brígida dos Santos

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