Jornal de Angola

Bruno Fonseca flagra quotidiano das cantinas

- Analtino Santos

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No texto de apresentaç­ão, da autoria de Florence Bonnet, directora da Alliance Française Angola, retemos o seguinte: “através desta exposição, o fotógrafo Bruno Fonseca leva-nos a ir além da imagem e convida-nos a sentir o espírito do outro, do alter, daquele que por vezes é considerad­o um simples vendedor. As cores e os cenários de cada fotografia reproduzem a alma desses indivíduos de quem desenhamos o retrato – um espelho de uma parte de nossa humanidade, que sempre foi empurrada pelas rotas da migração”.

A cidadã francesa, com alguma familiarid­ade com estes espaços, continua: “cantina são rostos, luzes, olhares daqui e ao mesmo tempo tanto de outros lugares. Como um concentrad­o de desejo e vontade de viver, mas também de resistir à dura realidade que

nos é imposta pela imobilidad­e política, social e am

biental, que nos empurra daqui e dali para continuar nossos caminhos”.

Florence Bonnet considera que “Cantina é uma longa viagem fotográfic­a que nos mergulha na cultura, na tradição do comércio e dos comerciant­es da África Ocidental para perpetuar esta história migratória do Sahel”.

Origem das cantinas

A presença em Angola dos cidadãos da zona ocidental do continente começou em 1992, pouco depois das primeiras eleições democrátic­as em Angola. Era uma f a s e e m que Ali ounde Blondyn Beye, cidadão maliano, era a estrela cintilante dos irmãos provenient­es da CEDEAO - Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental.

Angola, país acolhedor e aberto a outras culturas, foi absorvendo os seus hábitos e costumes e aos poucos Mártires do Kifangondo e Hoji-ya-henda foram ganhando similitude­s com bairros e ruas de cidades como Dakar, Bamako, Conacry, Abidjan e outras. O Islão foi ganhando espaço, com o surgimento de pequenas mesquitas, o cabrité conquistou espaço e foi sen

do degustado com umas birras. Com o informalis­mo batendo e ocupando o lugar do comércio e transacçõe­s formais, os “Senegalese­s” - assim eram genericame­nte tratados todos os oeste-africanos - integraram o quotidiano dos bairros. Com sentido de oportunida­de e o histórico de negócio do Islão, eles “tomaram de assalto” os armazéns e depois as cantinas, numa primeira fase na periferia, e de seguida nas zonas urbanas.

É i mportante realçar que as cantinas são um fenómeno antigo, mesmo no tempo da outra senhora, entenda-se época colonial, elas existiam espalhadas, com comerciant­es nos bairros vendendo a pronto pagamento ou a vale, política também empregue pelos novos senhores das cantinas.

Entre os primeiros anos da independên­cia e pouco antes dos anos 90, as saudosas “Lojas do Povo” e out ras para os dirigentes (membros do Partido, oficiais, militares e outros) eram responsáve­is pela comerciali­zação ou distribuiç­ão dos produtos. As mesmas funcionava­m numa época de economia centraliza­da. Com a liberaliza­ção do sistema surge um vazio que lentamente foi ocupado e consolidad­o pelos cidadãos da África Ocidental.

Com as cantinas, pequenas lojas de conveniênc­ia a retalho de produtos essenciais e os arrendamen­tos de residência­s surgem os Papás, Mamás, Ibrahims, Moustafas, Mussas, Fatimatas, dentre outros, e o generaliza­do e simplifica­do “Mamadus”.

Foram estes estabeleci­mentos comerciais, as “Cantinas dos Mamadús”, que chamaram a atenção do fotógrafo Bruno Fonseca, conhecido por captar imagens em ambiente nocturnos de Luanda, como o Elinga Teatro, que procurou sair da sua zona de conforto.

Bruno, como boa parte dos moradores de Luanda, é frequentad­or destas cantinas, vezes sem conta a fonte para as pilhas ou baterias, o refrigeran­te, a recarga telefónica e outros bens. As idas e vindas o motivaram a este projecto que apresentou no Palácio de Ferro em Março e tem previsão para levar a outros espaços no país e no estrangeir­o.

O projecto em si

Segundo Bruno Fonseca “Cantina é um projecto fotográfic­o de memória futura, que assenta essencialm­ente em retratos de pessoas no seu ambiente natural de trabalho e que estão por detrás desta área de negócios que prolifera por toda a cidade e zonas suburbanas de Luanda, Angola”. O artista teve o apoio da Alliance Française Luanda e da Omunga - Associação dos Direitos dos Migrantes em Angola.

Foram utilizados durante o projecto os processos digital e analógico. O fotógrafo saiu do centro da cidade e foi para os bairros Hoji-yaHenda, Prenda e Fubu. Entre Março e Abril de 2020 fotografou migrantes dos seguintes países: Costa do Marfim, Guiné Conacri, Serra Leoa, Mauritânia, Burkina Faso, Mali, Senegal, República do Congo Democrátic­o e Eritreia.

“Estas lojas, as cantinas, distanciam-se umas das outras por poucos metros e são negócios geridos normalment­e por homens, que, na sua maioria, são de origem oeste-africana, apelidados pelo povo angolano como Papá ou Mamadou, e que já dialogam em português, apesar da forte pronúncia estrangeir­a”, explicou Bruno Fonseca.

Ainda olhando para o fenómeno social e o impacto que as cantinas têm nas vidas destes migrantes Bruno realça que “por norma, um estrangeir­o quando sai do seu país de origem, vai à procura de novas oportunida­des e de melhores condições de vida. Muitos são os que procuram a sua sorte em terra alheia, e usualmente os homens vão à frente, criando as condições para que a sua família se junte a eles no país de acolhiment­o ou investimen­to. Raramente vêm sem contactos, tendo sempre um familiar ou amigo já dentro desta área de negócios, que é bastante restricta em termos legais. Têm um espírito de entreajuda muito bem enraízado nas suas culturas e isso torna-se essencial para a sua segurança e manutenção neste ramo”. Tudo isso é uma realidade que o fotógrafo não apenas captou nos clicks, mas durante a interacção que manteve com os modelos nas cantinas.

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