Jornal de Angola

A pulseira que virou cobra

- Agostinho Chitata

Todos já dominavamo assunto, menos o suposto “bruxo”. A informação foi passada de boca em boca. -Quem diria, o fulano!!! E nisto, passaram-se dois meses. Qual a do corno que é o último a saber, o “acusado” na sua inocência, partilhava abraços e likes nas redes sociais com um grupo de “acusadores injustos”, que se esqueceram do contraditó­rio, da versão do lesado.

O que importava mais: bruxo é bruxo. “Tá puntado, tá puntado”, diria o meu finado amigo Mindo. Um dos primeiros comandos das FAPLA, saído da Kamunda, em Benguela, e que muito deu para esta Pátria, que vai às eleições a 24 de Agosto. Tributo merecido ao saudoso Grande Mindo. Sempre bem humorado e com anedotas para nos pôr a rir.

Um dia, como um relâmpago caribenho fora de época, toca o telefone. A tal mania de as pessoas terem os smartphone­s inteligent­es sempre disponívei­s, 24 sobre 24 horas. Pronto, para as boas e as más notícias.”já estás acordado?” Era a voz, do outro lado, que chegava meio melancólic­a, meio trémula mas solidária, já antes de dar a notícia.

Como quem prepara o outro para uma explosão de “fogo e enxofre caídos do céu”, as perguntas iniciais foram as habituais: “A família e o trabalho?” - Olha, está tudo bem”. Depois um silêncio, como já se estivesse a viver as consequênc­ias de Sodoma e Gomorra. -Tenho uma notícia triste. Há dias, recebeste uma visita em casa, no barro Ndalatando? “Sim, recebi”.

A verdade, desabafou ele, a sobrinha de 9 anitos veio acompanhad­a da “mãe”. Vê uma pulseira colorida, condizente com a sua idade infantil, mas coração de “adulto maldoso”, e interessa-se. O tio, qual bom anfitrião, não se fez rogado e ofereceu a pulseirinh­a. Trouxe-a de uma viagem feita a um dos países, há mais de sete mil quilómetro­s.

Como é da praxe, aquando destas situações, disse, traz sempre uma ou mais lembrancin­has. O “tio viajante”, geralmente, decide por pulseiras. Abriu o telefone e mostrou algumas que colocou no “grupo familiar”, é a beleza das novas tecnologia­s de informação.

-Olha, a Wibnet disse ter-se sentido mal a caminho de casa. Então a “mãe” - continuou ele a contar - que estava com a menina, levou-a “com as corridas”, que nem o cipaio atrás da presa humana, ao “profeta”. E “nas rezas”, a pulseira virou cobra. “E depois”, questionou ele ao informador, num tom de voz pávida.

“A mãe foi orientada a pegar combustíve­l e fósforo para queimar a cobra”.

-E queimaram”, voltou a perguntar o meu amigo, já com o casco túrbido.

Tido como “evitador de problemas”, do tipo de estilo, “está no seu canto está”, percebi que o envolveram numa mantilha de calúnia e difamação. Numa nuvem negra de tempestade. Afinal, a principal razão para este “breu”.

Deixou-se conduzir por um assomo de ira. Apesar do frio que já se faz sentir “no Ndalatando”, sentiu um calor quente a transborda­r e, num ápice, tinha a camisa ensopada de suor.”azar não custa”, cogitou. Ele julgava que tais “brincadeir­as de mau gosto” nunca lhe iriam bater à porta, ou seja, lhe surpreende­r pela manhã, muito cedo.

Respirou fundo e achou que não podia ficar assim. “Meu Deus!, a situação é grave”. Tentou consolo nas piadas da net e afundou a goela num copo de água gelada. E terá dito aos seus botões: “Como as pessoas conseguem bosquejar tanta maldade e até jogarem contra pessoas de pura alma, replicador­as de acções de caridade, que só cabiam naquele coração de Madre Teresa de Calcutá?”

O que importa agora isto se, qual fênix, a má-notícia já transpôs até fronteiras, para além do “bairro Ndalatando”?

Os “profetas”, com certeza, há aos montes, a calcorrear por Luanda dentro. Estes, mais com vontade de extorquir do que levar o puro evangelho, unificar famílias e amigos, deliciam-se com a prática do mal, do cultivar sentimento­s de ódio e desamor ao próximo. Mas, lá estão. Não passam despercebi­dos.

Incólumes, espalham “rituais mágicos e satânicos”, que nos remetem a Anton Szandor Lavey, o líder da primeira organizaçã­o abertament­e satânica da humanidade. Fazem “novos bruxos”, “novas crianças feiticeira­s” e juntam mais uma “vítima” para a “delícia” dos seus seguidores obumbrados.

Remetem os seus “estreantes bruxos” em risco de levarem um vendaval algoz do lombo, a julgar pelas impetuosid­ades destes “(in)fiéis desprepara­dos”. Gente fechada numa casota arrendada e transforma­da em “templo satânico” de “profetas” que, em batucadas e cânticos nocturnos cruéis, absorvem bem a lição da vingança, do “vai lhe comer cru”.

A fé é boa. É preciso saber praticar em nome do bem. Quantos de nós já se deparou com estes falsos “homens de Deus” que, à custa do lucro fácil, interpõem-se no nosso caminho, em pleno sol ardente: “Môrimão, cêtá com muito prublema no tô trabalho. Tô patron não tá ti gossiiiitá. Vou ti ajudá”. Precisamen­te, querer “ajudar” a alguém que nem ainda teve o prazer do primeiro emprego, apesar da idade. Que ironia!!!

Cambadas de charlatões, diria alguém. Temo-los muito por cá, numa verdadeira batalha campal do “safa-se quem puder”. “Pessoas”, aspas intenciona­is, que não olham a meios para atingir os seus fins. Nem por um instante param para pensar nos estragos que causam a outrem.

Hoje em dia, as redes sociais trazem muitos exemplos destes “vira cobra”, que no uso de perfis falsos, tentam extorquir dinheiro a pessoas singulares, fundações e instituiçõ­es.

Bateram a porta e era ele, o “bruxo”. Coloquei-o sentado. Notava-se o gesto combalido e tristonho. O que se passa, perguntei - Meu, porra, azar não custa. Sabes que não sou de dizer impropério­s. Desculpe o porra, mas também já não sei o quanto ando...

-Fale, o que se passa? A minha própria irmã está a acusar-me de bruxo. Olhei-o incisivame­nte e percebi o “fogo e o enxofre” que o queimava por dentro. Nunca o ouvi a falar de mixórdias, banhos em “dombes grandes”, aliás nada disto fazia parte do seu exercício lexical.

Entretanto, não basta ser puro. Afinal, as cidades bíblicas de Sodoma e Gomorra caíram. Sinal de que o pecado existe. Logo, não devemos apenas olhar para a floresta, é preciso perceber o tamanho da árvore que se pretende derrubar.

Há quem opte pelo “pecado”, pela maldade, só para roubar dinheiro dos incautos, em nome da fé. Maldosos não são apenas os “profetas do mal”, são também aqueles que se deixam cegar e vilipendia­r o ego de gente boa. Como é o caso do meu amigo Fidalgo.

Levei-o até ao táxi... E de regresso a casa, caí na profundeza dos meus pensamento­s e lembrei as últimas palavras dele. “Escreva uma coisa, meu kamba, não são as pessoas de fora, as de dentro é que nos destroem. Aquelas que mais ajudamos e que comem connosco no mesmo prato, apesar da Covid”. -Sei, sublinhei.

E ele continuou: “Quando puderes, escreva só uma crónica sobre isto, para eu mostrar às pessoas que fingem não saber como estes “falsos profetas” estão a destruir o mundo de gente pobre e carente de fé”.

O táxi foi-se e, engolido na distância que agora nos separava, o azul e branco transformo­u-se num borrão de um pincel escolar da primária. A bordo estava Fidalgo, “o bruxo” magoado e com a honra despedaçad­a, como um vidro jogado nas rochas da Tundavala, por causa da calúnia da pulseira que virou cobra.

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