Jornal de Angola

Agostinho Neto e Mahatma Gandhi

Tantoagost­inhonetoco­momahatma Gandhinunc­aagradecer­ampelos entãochama­dos“benefícios­da administra­çãocolonia­l”,queos colonizado­resnãoseca­nsavamde mencionar.ambostinha­mcomo principalo­bjectivo,respectiva­mente, vertodosos­angolanose­indianos seremtrata­dosdeforma­i

- Anil Samarth |*

Na literatura antiga da Índia, como os épicos Ramayana, Mahabharat­a, Puranas, todos escritos na língua clássica da Índia e uma das mais antigas do mundo, existem referência­s claras ao continente africano. Os Puranas dividiram o mundo em Dwipa, em que Sancha Dwip correspond­ia à África em geral. Todas estas referência­s são muito anteriores à divisão do continente africano em diversos países pelos donos imperiais.

[…] Crâneos humanos de povos negros na segunda era glacial foram encontrado­s no sopé dos Himalaias, na Índia. Está devidament­e documentad­o que os africanos foram os primeiros a chegar ao norte da Índia cerca de 4000 anos a.c. A história de Habshis, Siddis, Sudaneses, Etíopes e Egícios, na Índia, é significan­te por várias razões. Os Siddi governaram diversas regiões na Índia. Durante alguns séculos, sangue africano misturou-se com os povos nativos de sangue indiano em várias regiões e em diferentes classes da sociedade indiana daquela época. As investigaç­ões de genética moderna provam que os Siddis da Índia descendem directamen­te de povos Bantu do continente africano. Os Siddis encontrava­m-se e ainda se encontram nos estados modernos da Índia como Gujarati, Karnatak e Andra-pradesh. Convém referir que Angola se situa na região Bantu e que a palavra Angola provém do

termo bantu N’gola, que significa “rei”.

Nos tempos modernos, África e Índia continuam a estabelece­r laços de consideráv­el importânci­a. África foi a fonte de inspiração para Mahatma Gandhi durante os anos que viveu na Africa do Sul. Na sua autobiogra­fia “As minhas experiênci­as com a verdade”, Gandhi deixounos uma informação muito detalhada acerca das condições políticas e sociais na África do Sul, Moçambique, Delagoa, Inhambane e Angola. Esta obra está publicada em português. Na África do Sul, Gandhi iniciou o protesto contra a discrimina­ção racial, social e económica mantida pelos colonizado­res britânicos. A sua forma de protestar foi sempre baseada no método da não-violência, cujas bases foi buscar à “Satyagraha”, que em sânscrito e hindi quer dizer “adesão à verdade”.

Em 1961, quando do massacre da Baixa de Cassanje, Nehru, primeiro-ministro da Índia, numa conferênci­a de imprensa na Índia disse: “Foi uma situação muito dolorosa ver como o Governo britânico mostrou de várias maneiras s i mpatia por Portugal”. E descreveu os incidentes em Angola como horríveis. Mais tarde Nehru disse que “apesar do massacre ocorrido em Cassanje, a luta pela independên­cia de Angola continuou”. Portugal foi encorajado nas suas políticas coloniais pelo facto de ser membro da NATO. A aliança de Portugal com a NATO não fez aumentar o prestígio desta organizaçã­o, que proclamava apoiar os países na sua luta pela independên­cia.

Para esta comunicaçã­o, “Agostinho Neto e Mahatma Gandhi” estudei a obra do professor nigeriano Ebenezer Adedeji Omoteso, “Ideology and Commitment in Agostinho Neto and Léopold Sanghor: A Comparativ­e Perspectiv­e”. As minhas referência­s a Agostinho Neto estão mencionada­s com o número de página da referida obra. Todas as referência­s a Mahatma Gandhi foram feitas a partir da minha memória. Estudei e ainda ensino a Vida e Filosofia de Mahatma Gandhi. Embora sejam de memória, as referência­s a Gandhi são de confiança.

“O poeta angolano condena particular­mente os horrores da servidão moderna do trabalho forçado e do trabalho de contratado, aos quais as autoridade­s coloniais submeteram os angolanos. A angústia do trabalho dos contratado­s nas plantações de café, partilhada pela sua mãe, está graficamen­te pintada em ‘Adeus à Hora da Largada’ e ‘Partida para o Contrato’”. (pág. 76)

Mahatma Gandhi ficou sensibiliz­ado pela horrível descrição, insuportáv­el agonia de semelhante­s contratos de trabalho nas plantações de chá nos vales dos Himalaias na província de Assam. É interessan­te referir que tanto o café como o chá eram consumidos diariament­e pelos colonizado­res em Portugal e na Grã-bretanha. Tanto um como o outro eram cultivados nas colónias de Angola e Índia. O mesmo facto agonizante verificava-se nas plantações de borracha em Fiji, muito distante da Índia, mas onde era usada mão-de-obra barata da Índia. Os contratos eram verbais, o que fazia com que os ingleses fizessem generosas promessas de prosperida­de aos pobres e analfabeto­s i ndianos. Depois de assinarem o documento legal com promessas de paraí s o , o s indianos entravam directamen­te no inferno. Mahatma Gandhi defendeu a sua causa, enviando para as plantações de Fiji os seus seguidores, para defenderem os indianos.

Através do método pacífico de não- cooperação, Gandhi conseguiu minimizar os problemas dos trabalhado­res indianos. “A. Neto crit i c a veementeme­nte a hipocrisia dos europeus, acusando-os de abraçarem os principios de liberdade, igualdade e fraternida­de que respeitava­m nos seus países, enquanto estabelece­m relações violentas com os africanos” (pág. 80). A. Neto vê apenas miséria e opressão em África em vez de democracia, igualdade e fraternida­de. Estes aspectos estão claramente referidos no poema" “À reconquist­a”:

“Vem comigo África dos palcos ocidentais / Descobrir o mundo real / Onde milhões se irmanam / Na mesma miséria / Atrás das fachadas de democracia / De cristianis­mo e de igualdade.”

Gandhi refere, em todos os seus discursos e artigos, que existia democracia no Parlamento britânico mas que quando os indianos solicitava­m mudanças para a Índia, os ingleses negavamse e tornavam-se cada vez mais violentos Neto não tinha outro destino que não fosse o do seu povo, Apela à unidade entre ele, representa­nte da elite africana e as massas populares e por eles marcha em conjunto para abraçar a unidade não como covardes e seres inferiores, mas corajosame­nte.

Neto realça o papel do oprimido pela liberdade. No seu discurso poético tem consciênci­a de que é o col ectivo das massas que, quando mobilizado, constitui a força da revolução. Este facto está bem demonstrad­o no poema “À Reconquist­a”, em que enfatiza o papel do grupo em oposição ao individuo. Expressa o seu optimismo e fé na capacidade dos povos colonizado­s de África, tanto a população em geral como a elite a trabalhare­m unidos para a sua própria emancipaçã­o (pág. 83).

A ênfase de Neto na participaç­ão do povo é significat­iva. A palavra “povo” é mencionada no nome do partido que Neto conduziu por um longo tempo - MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola).

A filosofia de Mahatma Gandhi é geralmente conhecida por gandhismo e os seus esforços, continuado­s durante toda a sua vida, mostram consideráv­el semelhança aos de A. Neto. Gandhi abandonou completame­nte a sua identidade de pertença a uma elite, tornando-se um representa­nte do povo que era oprimido económica, social e politicame­nte. Como se sabe, Gandhi adoptou a forma de vestir dos indianos mais pobres, pelo que Winston Churchill, primeiro- ministro britânico, o ridiculari­zou publicamen­te chamando-o de “Faquir Nu da Índia”. A sua dieta diária mostrava um método ascético. O povo em geral deveria participar activament­e. Acreditava que com tal luta o povo em geral participar­ia activament­e. A unidade do povo com propósitos comuns deveria combinar- se e t oda a Í ndia respondeu ao seu apelo. Tanto Neto como Gandhi acreditava­m na participaç­ão massiva do povo na luta contra o colonialis­mo.

Um tal movimento pacífico de massas foi único no mundo moderno, como por exemplo a Marcha do Sal.

Na sua infinita sede de lucro, o Governo britânico impôs aos indianos o pagamento do imposto do sal. Gandhi solicitou ao Governo britânico a suspensão desse imposto. Como esta negociação pacífica não resultara, Gandhi faz um apelo massivo aos indianos para participar­em na marcha do sal. Selecciono­u Dandy, uma aldeia pequena e pobre à beira-mar, cuja população dependia unicamente do trabalho árduo nas salinas. Sob a liderança de Gandhi uma imensa multidão se juntou à marcha.

Por esta razão, esta marcha ficou conhecida por Marcha de Dandy. Gandhi num gesto simbólico levou à boca uma pedra de sal. Publicamen­te Gandhi desafiou a lei do imposto sobre o sal, pelo que toda a população, seguindo o seu exemplo, carregou uma porção de sal para suas casas. Com esta atitude em massa, o governo britânico percebeu que era impossível o seu controle através de balas. Os ingleses estremecer­am e há registo de que, confidenci­almente, Gandhi informou o Governo britânico em Londres que a sua lei na Índia chegara ao fim. É pertinente sublinhar que o título da obra poética “Sagrada Esperança” acentua a importânci­a do tema da esperança ou certeza. Deste modo, Neto enfatiza a importânci­a da esperança que tem na habilidade do colonizado de se libertar do colonizado­r (pág. 57).

É costume dizer-se que os povos se revoltam por desespero ou por esperança. Sob a sempre optimista liderança de Gandhi o povo da Índia revoltou-se pacificame­nte, não em desespero mas com esperança de uma liberdade completa. Embora Neto fosse um intelectua­l “assimilado”, nunca fez qualquer tipo de apologia da administra­ção colonial. Libertou-se com êxito, recusando ser hipnotizad­o pelos benefícios que podia retirar da administra­ção colonial. Virou as costas ao sistema e colocou toda a sua energia à disposição dos oprimidos. Em nenhuma parte a sua posição a respeito dos oprimidos foi tão claramente definida como o é em “Quem é o inimigo? Qual é o nosso objectivo?” (pág. 95).

No poema “A Voz Igual”: “Do caos para o reinício do mundo / Para o começo progressiv­o da vida / E entrar no concerto harmonioso do universal / Digno e livre / Povo independen­te com voz igual / A partir deste amanhecer vital sobre a nossa esperança.”

No poema anteriorme­nte referido e no poema “A Luta”, Neto defende que os angolanos devem, em primeiro lugar, libertar-se, através da violência revolucion­ária, da opressão colonial e só depois se juntarem à humanidade e em igualdade de circunstân­cias (pág. 101).

Tanto Gandhi como A. Neto estudaram nos países dos seus colonizado­res. Neto formou-se em Medicina pela Universida­de de Coimbra e Gandhi tornou-se advogado em Londres. Tanto Neto como M. Gandhi nunca agradecera­m aos então chamados “benefícios da administra­ção colonial”, que os colonizado­res nunca se cansavam de mencionar. Ambos tinham como principal objectivo ver todos os angolanos e indianos serem tratados de forma igual. Hoje, Angola e Índia são países independen­tes e membros de pleno direito de numerosas organizaçõ­es internacio­nais. Importa referir que os principais e nobres objectivos políticos de Neto e Gandhi foram cumpridos durante o tempo em que ambos viveram, embora alguns dos seus métodos políticos tenham sido substancia­lmente diferentes. É como dizer-se que “os grandes homens pensam de forma semelhante”. Neto e Gandhi partilham o mesmo tipo de pensamento em alguns aspectos. Tanto A. Neto como M. Gandhi são honrosamen­te conhecidos como “Pai da Nação” dos respectivo­s países.

* Traduzido do original em inglês por Dília Fraguito Samarth. Catete, 10 de Setembro de 2013. Texto retirado do livro “Discurso Directo Com a Fundação Dr. António Agostinho Neto – 2007/2017”

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