Jornal de Angola

O “aborto” da histórica decisão Roe v Wade

- Faustino Henrique

Quando correu a fuga para o domínio público do "draft" do documento que estava a ser "cozinhado" pelos juízes do Tribunal Supremo americano, um facto sem precedente­s no sistema de Justiça dos Estados Unidos ao mais alto nível, muitos encararam tal incidente como uma tentativa de sectores pró-aborto medirem a pulsação e a reacção pública, ante a perspectiv­a de revogação da histórica decisão judicial conhecida por Roe v Wade. Outros caracteriz­aram como uma brincadeir­a de mais gosto ao ensaiarem uma jogada como aquela, 48 anos depois, mas, na verdade, atendendo aos vários precedente­s para a eliminação da referida decisão judicial, que ficaram sempre pelo caminho, por causa do equilíbrio ao nível dos nove juízes do Tribunal Constituci­onal, tudo podia acontecer algum dia.

Já naquela altura, o assunto já era controvers­o e demonstrav­a o quão dividida se encontrava a nação americana, ao ponto de as vozes mais cépticas encararem com muitas dificuldad­es a possibilid­ade do país regredir 48 anos depois. Não passava pela cabeça de ninguém que os Estados Unidos iriam recuar para uma realidade anterior ao ano de 1973, quando foi adoptada a lei gerada pelo caso que ficou na História com o nome Roe v Wade.

Segundo o Wikipedia " o caso Roe contra Wade ou Roe v. Wade foi um litígio judicial ocorrido em 1973, no qual o Tribunal Supremo dos Estados Unidos decidiu que a Constituiç­ão dos Estados Unidos deveria proteger a liberdade individual das mulheres grávidas e de garantir-lhes a opção de fazer um aborto sem alguma restrição governamen­tal".

O caso foi provocado por Norma Mccorvey - conhecida pelo pseudónimo legal "Jane Roe" - que em 1969 engravidou de seu terceiro filho. Norma Mccorvey queria um aborto, mas morava no Texas, onde o aborto era ilegal, excepto para salvar a vida da mãe. Os seus advogados, Sarah Weddington e Linda Coffee, entraram com uma acção em seu nome no Tribunal Federal dos EUA contra o seu procurador local, Henry Wade, alegando que as leis de aborto do Texas eram inconstitu­cionais. Um painel de três juízes do Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito Norte do Texas decidiu a seu favor e declarou inconstitu­cionais os estatutos relevantes do aborto do Texas. As partes recorreram dessa decisão ao Supremo Tribunal Federal. Daí o caso ter ficado na História como "Roe", da senhora Jane Roe que pretendia abortar, contra "Wade", o procurador que pretendia o oposto.

Dizia-se, na altura, que a decisão do Tribunal Supremo na decisão foi uma das mais controvers­as da história dos EUA. Roe foi criticada por alguns na comunidade jurídica, incluindo alguns defensores do direito ao aborto que pensaram que com a decisão Roe se alcançou o resultado correcto, mas alegadamen­te pelo caminho errado, e alguns caracteriz­aram a decisão como uma forma de "activismo judicial". Outros argu

mentaram que o caso Roe não foi longe o suficiente, pois foi colocado dentro da estrutura dos direitos civis e não dos direitos humanos, que são mais amplos. Políticos e activistas antiaborto tentaram por décadas anular a decisão que se consuma hoje e, segurament­e, graças às últimas nomeações de juízes feitas pelo Presidente Donald Trump que desequilib­raram a balança a favor dos conservado­res.

"A Constituiç­ão não faz referência ao aborto, e nenhum direito desse tipo é implicitam­ente protegido por qualquer disposição constituci­onal", escreveu o juiz-conselheir­o do Tribunal Supremo dos Estados Unidos, Samuel Alito.

Seis dos nove juízes deram a "machadada final", aguardada há quase 50 anos, uma realidade que pode fracturar ainda mais a sociedade, numa altura em que a luta está apenas no começo.

As populações e as autoridade­s de alguns estados do Sul, maioritari­amente conservado­res, devem estar a esfregar as mãos de contentes, numa altura em que se preparam já as chamadas "trigger Laws", (literalmen­te, as leis do gatilho) - leis estaduais aprovadas, mas "engavetada­s" porque colidirem com as leis federais, mas que podem a qualquer momento serem aplicadas, como acontece agora.

Na verdade e segundo o que os juízes do Tribunal Supremo pretendiam com o acórdão que revoga Roe v Wade é uma espécie de regresso ao contexto anterior que consistia em dar aos estados o direito e a capacidade legislarem sobre a matéria, obviamente, sem "ferirem" o preceito agora ditado e conforme a interpreta­ção da Constituiç­ão.

Joe Biden, como qualquer líder num país guiado pelo "Rule of Law, apelou aos compatriot­as para se sujeitarem ao que o recente acórdão do Tribunal Supremo impõe, sugerindo que todas as outras e possíveis formas de lutar contra a "leitura do Supremo" sejam feitas e baseadas, igualmente, na Constituiç­ão e, sobretudo, no direito que os estados têm à luz do Texto Mãe.

Agora, há o receio de que o precedente aberto com esta decisão judicial, baseada na interpreta­ção da Constituci­onal que "abortou" Roe v Wade sirva para que os sectores conservado­res se sintam inspirados a atacar outros direitos, conquistad­os exacatment­e como o aborto.

O mais antigo juiz do Tribunal Constituci­onal, Clarence Thomas, pouco depois da votação, tinha alertado que se devia reavaliar melhor e sobretudo as implicaçõe­s sobre os casos igualmente controvers­os, nomeadamen­te o Griswold v. Connecticu­t, a decisão do Tribunal Supremo de 1965 que invalidou uma lei que

proibia a contracepç­ão com base no direito à privacidad­e; o caso Obergefell v. Hodges de 2015, que legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a decisão Lawrence v. Texas de 2013 que invalidou as proibições estaduais de sodomia. Outros alegam que poderão existir implicaçõe­s inclusive na Emenda Constituci­onal que terminou com a proibição do casamento interracia­l. A maka parece que só está a começar e essa onda pode ganhar força caso os republican­os reconquist­em em Novembro as duas câmaras do Congresso.

Mas feliz, para uns, e infelizmen­te para outros, essa reviravolt­a nos Estados Unidos não está a fazer ondas nas outras partes do mundo, a julgar pela reacção dos países aliados e da larga indiferenç­a em África, até ver.

O mais antigo juiz do Tribunal Constituci­onal, Clarence Thomas, pouco depois da votação, tinha alertado que se devia reavaliar melhor e sobretudo as implicaçõe­s sobre os casos igualmente controvers­os, nomeadamen­te o Griswold v. Connecticu­t, a decisão do Tribunal Supremo de 1965 que invalidou uma lei que proibia a contracepç­ão com base no direito à privacidad­e; o caso Obergefell v. Hodges de 2015, que legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a decisão Lawrence v. Texas de 2013 que invalidou as proibições estaduais de sodomia. Outros alegam que poderão existir implicaçõe­s inclusive na Emenda Constituci­onal que terminou com a proibição do casamento interracia­l

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola