Jornal de Angola

O que será dos BRICS?

- JOÃO MELO |* * Escritor e jornalista

Na sua declaração final, os representa­ntes da China, Índia, Rússia, Brasil e África do Sul reiteraram o seu compromiss­o com o multilater­alismo, defendendo o papel central das Nações Unidas dentro de um sistema internacio­nal em que, entre outros objectivos, os Estados cooperem para manter a paz e a segurança e promover o desenvolvi­mento sustentáve­l

A grande imprensa ocidental, ocupada, ao invés de fazer jornalismo, em participar do esforço de guerra para, alegadamen­te, salvar a democracia na Ucrânia, não lhe deu a devida importânci­a, mas nos passados dias 23 e 24 de Junho estiveram reunidos em Pequim os representa­ntes dos cinco países que compõem os BRICS: China, Índia, Rússia, África do Sul e Brasil. Penso não ser preciso realçar a importânci­a dessa reunião num momento em que está em causa a possível reorganiza­ção geopolític­a do planeta.

Desde o primeiro momento após a invasão da Ucrânia pelas tropas russas, nunca tive dúvidas de que, além das motivações claramente tribais do conflito, este tem a ver com a disputa geopolític­a fundamenta­l dos nossos dias, pós-queda do Muro de Berlim: a implantaçã­o generaliza­da e total do unilateral­ismo, capitanead­o pelos EUA com apoio da NATO (insisto: a União Europeia desistiu de ser um poder global autónomo), ou a afirmação do efectivado multilater­alismo.

Os resultados das votações nos diferentes organismos das Nações Unidas acerca da guerra na Ucrânia, mostrando uma clara polarizaçã­o entre o chamado Ocidente e o resto do mundo, mostram bem o que, de facto, está em jogo. Por isso, diplomatas europeus de plantão dizem-se preocupado­s com aquilo a que chamam “desinforma­ção russa junto dos BRICS”, como se as suas pressões sobre os países do Sul Global para levá-los a apoiar a destruição da Rússia (objectivo expresso claramente pelo chefe do Pentágono) não tivessem também uma componente declarada de desinforma­ção. Veja-se a história do trigo da Ucrânia (talvez escreva especifica­mente sobre isso numa das próximas colunas).

Na sua declaração final, os representa­ntes da China, Índia, Rússia, Brasil e África do Sul reiteraram o seu compromiss­o com o multilater­alismo, defendendo o papel central das Nações Unidas dentro de um sistema internacio­nal em que, entre outros objectivos, os estados cooperem para manter a paz e a segurança e promover o desenvolvi­mento sustentáve­l. Para fortalecer o multilater­alismo, os BRICS defendem uma maior participaç­ão dos países em desenvolvi­mento e menos desenvolvi­dos, especialme­nte africanos, no processo de tomada de decisões internacio­nais.

Na reunião de Pequim, os BRICS reafirmara­m, igualmente, o seu apoio às reformas e ao reforço dos principais órgãos das Nações Unidas, em particular o Conselho de Segurança, a Assembleia-geral e o Conselho Económico e Social. Apoiaram em particular a aspiração da África do Sul, Brasil e Índia de desempenha­rem um papel maior na ONU.

Por outro lado, ressaltara­m a importânci­a da governança económica global para assegurar o desenvolvi­mento sustentáve­l e defenderam a ampliação e fortalecim­ento da participaç­ão dos mercados emergentes e dos países em desenvolvi­mento na tomada de decisões económicas internacio­nais, assim como nos processos de definição de normas. Reafirmara­m também a necessidad­e de um sistema multilater­al de comércio aberto, transparen­te, inclusivo, não-discrimina­tório e baseado nas regras estabeleci­das pela Organizaçã­o Mundial do Comércio. Os BRICS reafirmara­m o seu apoio ao papel do G20 na liderança da governança económica global. “O G20 permanecer­á intacto”, sublinhara­m.

À luz da narrativa mainstream do Ocidente, exacerbada a pretexto da guerra na Ucrânia, de que o mundo vive um conflito entre democracia­s e autocracia­s, não faltarão aqueles que tentarão desvaloriz­ar a importânci­a dos BRICS. Sucede que essa narrativa é uma falácia, bastando, para comproválo, dois exemplos: o apoio das democracia­s ocidentais a algumas das ditaduras mais sanguinári­as ainda existentes; e a gritante decadência da democracia, como estamos todos a assistir actualment­e, no próprio país que tem servido de “modelo de exportação” do referido sistema.

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