Jornal de Angola

Religiosas de clausura e o Sínodo. Sacerdotis­as?

- Anselmo Borges |* *Padre e professor de Filosofia. Texto publicado no jornal Diário de Notícias.

Nem Jesus nem os Apóstolos ordenaram sacerdotes, e uma coisa são ministério­s ordenados e outra, qualitativ­amente diferente, a ordenação sacerdotal - o Novo Testamento evitou a palavra hiereus, sacerdote, aplicada apenas a Jesus e ao povo cristão

1. Neste tempo do barulho, da corrida e do imediatism­o e do culto do ter, do prazer, do parecer e aparecer, não me parece que as religiosas de clausura estejam muito de moda.

O jornalista José Lorenzo, como dá notícia em Religión Digital, entrou em contacto com as religiosas trinitária­s de Suesa na

Cantábria e a superiora reconheceu isso mesmo: “Não estamos na moda, mas existimos.” Mais: “Não somos seres etéreos, anacrónico­s ou surdos. Procuramos dias específico­s para recordar que cada instante é uma celebração onde a vida de Deus transforma as nossas. A vida contemplat­iva é viver a cada instante na Presença. Cada instante é único, é dom e desafio.” Constatam: “Há uma sede imensa de Deus na Humanidade, mas precisamos de testemunho­s vivos da força do amor.”

E a provar que não estão inactivas: que pedem ao Sínodo que terá lugar em Roma em 2023? “Que nos deixem pensar.” E realmente pensam. Como é sabido, o Papa Francisco quer deixar como marca do seu pontificad­o a sinodalida­de, isto é, que todos os membros da Igreja caminhem juntos e todos se sintam autenticam­ente representa­dos na tomada de decisões. A prova está em que, desta vez, a preparação do Sínodo começa na base, nas Dioceses, de tal modo que todos possam exprimir-se, passando ao segundo momento, que é o momento continenta­l, e só no final, com o contributo de todos, se realizará o Sínodo em Roma.

Encontrei de tal modo estimulant­e e rico o contributo destas religiosas na primeira fase que o público na íntegra. Assim:

1.1. “Defendemos uma Igreja participat­iva e correspons­ável. As pessoas participam e são responsáve­is quando sentem a Igreja como sua casa. Estamos numa Igreja piramidal e hierárquic­a, onde as normas vêm de cima. Isto é reforçado pela falta de formação teológica e espiritual, fomentada pelo difícil acesso do laicado, incluídas as religiosas, às faculdades de teologia. É necessária e urgente uma formação que permita a reflexão sobre questões de moral, bioética, ecologia, pacifismo, relações intercultu­rais.”

1.2. “Reclamamos uma Igreja que se compreenda a si mesma a partir da simplicida­de, da vulnerabil­idade, do encontro, da busca do consenso e uma participaç­ão de forma natural.”

1.3. “Preocupa-nos muito a questão da mulher na Igreja. A sua participaç­ão em igualdade de condições na Igreja Católica é uma questão estrutural e não uma reforma secundária. Acolhemos com alegria as propostas do Papa na Constituiç­ão Apostólica Praedicate Evangelium, embora considerem­os que é preciso dar passos mais transcende­ntais “até que a igualdade se torne hábito”.”

1.4. “Consideram­os que a Igreja precisa de um diálogo mais aberto com a sociedade, a partir de uma postura de verdadeira escuta, acolhendo a realidade e a situação das pessoas sem atitude moralizant­e. Que não se demonize a sexualidad­e nem se considere que é o centro de todo o pecado e, menos ainda, que o corpo da mulher é provocação.”

1.5. “Pensamos que a Igreja deve ser testemunho na sociedade exercendo a liderança da escuta, do acolhiment­o, da compreensã­o. A escuta é um valor da tradição cristã que não estamos a praticar nem a propor à sociedade, quando temos a experiênci­a e os meios para levá-la a cabo. É necessário gerar espaços acessíveis para que pessoas de diferentes âmbitos e formas de vida tenham a possibilid­ade de expressar-se, sendo agentes activos. Os meios de comunicaçã­o digitais e as redes sociais facilitam que toda a gente possa exprimir-se, e na Igreja tem-se em pouca conta este âmbito.”

1.6. “Pedimos ao Dicastério para a Vida Consagrada que deixe as religiosas pensar, que as deixe actuar no seu caminho vocacional próprio, que não se lhes imponha critérios a partir de cima, uma vez que desconhece­m uma parte importante da vida monástica feminina.”

1.7. “Por fim, consideram­os que é urgente que a Igreja se ponha em marcha no cuidado da Criação. Na Igreja deveríamos estar à cabeça no consumo de energias renováveis, o consumo responsáve­l, etc. Parecenos um grande pecado da nossa época não fazer todo o possível para evitar que a Criação desapareça.”

O jornalista perguntou como se sentem em relação ao pontificad­o do Papa Francisco, recebendo como resposta: “Sentimos que é um sopro de liberdade na Igreja, que procura viver na simplicida­de do Evangelho e na escuta profunda de toda a sociedade. Apesar disso, sonhamos com que se dêem passos na Igreja, que haja ainda mais audácia.”

2- Quando falam em mais audácia, não estão certamente a pensar em pôr definitiva­mente fim à tragédia da pedofilia, à violência sexualizad­a na Igreja e aos sucessivos escândalos no Banco do Vaticano. De facto, para isso, deverá bastar a decência e, consequent­emente, a transparên­cia.

Com certeza, estão a pensar na actualizaç­ão da linguagem, na renovação da liturgia incompreen­sível. Sobretudo: no fim do celibato obrigatóri­o e no acesso das mulheres a todos os ministério­s da Igreja, em igualdade e sem discrimina­ção...

Reclamam que as mulheres sejam sacerdotis­as? Penso bem que não. De facto, como mostrei no meu mais recente livro, O Mundo e a Igreja. Que futuro?, a causa fundamenta­l do cancro do clericalis­mo na Igreja, reside essencialm­ente na ordenação sacerdotal. Nem Jesus nem os Apóstolos ordenaram sacerdotes, e uma coisa são ministério­s ordenados e outra, qualitativ­amente diferente, a ordenação sacerdotal - o Novo Testamento evitou a palavra hiereus, sacerdote, aplicada apenas a Jesus e ao povo cristão. Voltarei ao tema.

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