A literatura na frente da diplomacia
Comparadas pelo método de sílabas métricas, a literatura e a diplomacia aparecem-nos com o mesmo valor e a mesma sensação de harmonia: recebem nota cinco! Ambas cultivam a beleza das palavras, com arte e zelo, para servir os seus objectivos e ambas também conquistam grandes elogios e admiração de quem lhes goste.
Mas, quando somos confrontados com o dia-a-dia, iremos verificar que tudo “isso é poesia!”, como afirmou curiosamente o poeta angolano cujo centenário temos estado a comemorar.
De facto, a literatura ganha, e coloca-se muito à frente, quando é convocada para a frente da diplomacia; e também a cultura.
Vale a pena comparar escritores e diplomatas?
Defendi um certo dia que “a literatura não tem fronteiras e os livros não necessitam de passaportes nem de vistos de entrada para nenhum país”. Dispensando burocracias, o livro viaja pelas mãos de qualquer um. Pode ser lido e traduzido em todas as línguas e a qualquer momento. Depois do seu “Acto de nascimento”, leiase, “Lançamento público”, o livro ganha autonomia e junta-se a milhares de famílias sem distinção, nem discriminação. Abre-se e fecha-se sem protocolos. Além de ganhar pelo modo como cultiva a beleza e a transparência na linguagem, o bom livro conquista leitores em todas as frentes e latitudes, tanto em caso de conflito como em tempo de paz. O livro é dinâmico, é agradável, relaxa e contagia os leitores!
Adianta dar exemplos deste frente a frente, entre literatura, cultura, e diplomacia?
O embaixador sul-coreano em Angola, Choi KwangJ i n , d e u u m e xe mp l o brilhante quando tocou batuque numa cerimónia que teve lugar na Universidade Católica de Angola. E os EUA que são muito bons no marketing, também demonstraram que não ficam atrás, ao trazerem a Luanda uma escritora e jornalista afroamericana para animar a diplomacia.
Todos eles compreendem que graças ao seu grande dinamismo e cunho artístico, a literatura e a cultura, em termos gerais, ajudam a quebrar barreiras e a unir povos de diferentes origens. E só perdem para o desporto. Os casos de sucesso, contados antes de Cristo, não cabem nesta página, contrariamente à diplomacia, se for vista
isoladamente. E a conclusão mostra uma diferença abismal, entre o impacto de uma e de outra: a literatura é autónoma, tem uma técnica e arte que supera qualquer crise, enquanto a diplomacia é obediente, subalterna, e só é salva pelo poder de uns, pela imaginação de outros e pelo acesso aos recursos que lhe são facilitados pelo Estado. Escritores, agentes da cultura e diplomatas não têm, infelizmente, o mesmo tratamento, sabendose como é grande o mérito da literatura.
No início, falei de um centenário e da máxima do poeta angolano emprestado à política e também extremamente hábil na “Linha da Frente” diplomática: Agostinho Neto, “o poeta maior!”, de Angola! Outra prova eloquente de que a literatura é tão rica que empresta os seus melhores valores e conhecimentos a diversas áreas.
Neste ano de 2022, Moçambique, um dos países da nossa “Linha da Frente”, tem estado a celebrar o centenário do seu poeta maior, José Craveirinha, com um impacto mundial que prova novamente o extraordinário percurso internacional da literatura. E, uma vez mais, a arte, a cultura e a coisa literária estiveram unidas.
Por um lado, representadas pelo célebre Noel Langa, o “Picasso” das artes plásticas de Moçambique que fez questão de oferecer um dos seus melhores quadros à União dos Escritores
Angolanos (UEA), e, por outro lado, com a apresentação do livro “Os Bantu na visão de Mafrano”, que duas netas deste escritor e etnólogo angolano apresentaram num tempo recorde em Maputo,
a convite da Associação dos Escritores Moçambicanos.
Tão l ogo o quadro de Noel Langa chegou a Luanda, foi pretexto para debates e tertúlias entre escritores sobre a revitalização da literatura. Outra prova do dinamismo cultural.
Por sua vez, o livro sobre antropologia cultural angolana “Os Bantu na visão de Mafrano” nasceu em Maio e já circula pelo mundo de mão em mão, de chancelaria em chancelaria e entre famílias, sem vistos e sem fronteiras. Mais uma prova eloquente do dinamismo literário neste eixo cultural entre Maputo e Luanda. E, uma vez mais, ganha a literatura e, com ela, a diplomacia que pode usar factos históricos no seu discurso e na sua agenda.
O arcebispo emérito do Lubango e prémio Sakharov 1992, Dom Zacarias Kamuenho, tornou- se o pai de uma célebre expressão que promete fazer história no mundo cultural, quando
afirmou, no dia 14 de Maio, em Luanda: “Agostinho Neto o poeta maior; Mafrano o antropólogo maior!”, e ganhou os corações dos que amam a literatura.
Esta é uma reflexão para poetas, escritores, políticos, diplomatas, críticos literários e observadores. Aqui ficam alguns dos factos do frente a frente entre a literatura, a cultura, a diplomacia e áreas afins.