Jornal de Angola

O craque dos Dínamos da Vila

- Ferraz Neto

Tinha uma compleição física de meter inveja. João Cal abatata era tido como o trunfo da equipa dos Dínamos da Vila Matilde. Nos momentos decisivos era chamado para desestabil­izar a equipa adversária.

Tinha uma popularida­de incrível entre os habitantes e amantes do f utebol. A equipa podia estar a perder ou a ganhar, mas bastasse anunciarem o nome de João Calabatata, que o público vibrava.

O mais velho Joaquinito Que Faz, uma das lendas da Vila Matilde apelidou-o de Kana-biyik, uma referência ao craque camaronês da década de 80. Calabatata era conhecido do público da Vila Matilde.

Em campo, não havia adversário­s que conseguiss­em afectar a sua popularida­de. Figuras como Abega, Ananias Gomes, Jamaica, Lito Tuia, Moreno, Pinheiro ou Bolingó, no areal do campo Tiro aos Pratos, em plena Vila Matilde, todos temiam João Calabatata.

A fama estendeu-se pelas diferentes zonas. Antes de entrar em cena, já nos habituais exercícios de aqueciment­o, o público gritava em uníssono: João Calabatata! Em cada alongament­o, ouvia-se das bancadas improvisad­as o seu nome.

Na língua kimbundu, muitos diziam: - João Calabatata weza (chegou)! Tala kinama (veja a perna dele). Quando chamado para entrar em campo, os assobios davam outro requinte ao jogo. Para saciar a curiosidad­e e apimentar os amantes da bola e os f al antes da l í ngua kimbundu, Mingo Kilombo fazia a descrição pormenoriz­ada dos acontec i - mentos, narrando cada j ogada e cada finta.

Batula (corta), ioio, ualalala, uolo, uaxala, ngafo, eram algumas das interjeiçõ­es que se ouviam de Mingo Kilombo, em cada finta ou passe. A poeira não impedia que João Calabatata gingasse em campo.

Mas, foi na hora decisiva que Calabatata frustrou os seus fãs. Os passes decisivos nunca finalizava na perfeição. Numa das partidas dec i s i vas, que opunha os Dínamos ao Grémio Juvenil da Catepa, o mais velho António Malengue, um adepto ferrenho e patrocinad­or de batata-doce e farinha torrada aos atletas dos Dínamos da Vila Alice, decidiu fazer das suas.

Os ânimos estavam acirrados, pois era o dia de tudo ou nada. O Grémio Juvenil da Catepa não podia vencer no terreno dos Dínamos da Vila Matilde. Seria o inimagináv­el para muitos dos adeptos, como o kota António Malengue. Depois de ter sido colocado em campo para inverter o resultado, João Calabatata falhava que falhava.

O mais velho António Malengue, irritado pela péssima exibição de Calabatata, decidiu mostrar que é um exímio agitador de massas. Do lado de fora, Malengue gritava alto e em bom som, em kimbundu:

- Etu tu abika ( nós somos escravos)? - questionou. - Inzo ietu ( a casa é nossa) - respondia António Malengue.

- João Calabatata kinama kia muhatu (João Calabatate tem pernas de mulher), respondia o público. Cada fal hanço, o l ocutor Mingo Kilombo fazia contagem. - Moxi (uma), iari (duas), tatu (três), uana (quatro).

Por f i m, o apito f i nal. João Calabatata foi culpado pela derrota dos vilanenses da Matilde para o Grémio da Catepa por 3 a 1. Depois do apito final e com a mão em direcção ao campo, o velho António Malengue gritou:

- Kuatenu mutu ió (agarrem aquela pessoa) -, apontando para João Calabatata. Este correu e tentou fintar os adeptos que tentavam agarrá-lo, mas não conseguiu fugir. Aos prantos, tentou se desculpar com os adeptos do Vila.

João Calabatata de celebridad­e passou a vilão. Foi xingado, ou seja, ofendido verbalment­e, humilhado e agredido. O jovem lateral direito com pernas arqueadas deixou o campo com marcas em toda a parte do corpo, por conta da violência dos adeptos.

*Moral da história: diz o provérbio na língua nacional kimbundu que “Xibata j á mundu, ya ajibanda, ya ajikulumuk­a”. Significa que nas escadas do mundo, uns sobem outros descem. Qualquer semelhança com algum caso da vida real é mera coincidênc­ia.

Vila Matilde, 4 de Abril de

2022.

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