Jornal de Angola

O que dizer quando o nosso porto seguro se torna inseguro?

- Edna Dala |

Como classifica­r o sentimento que invade o nosso coração, mente, alma e corpo… quando aquela que é o nosso Porto Seguro e representa­ção do sagrado na terra se transforma na nossa maior inseguranç­a?

O mês passado foi, para mim, o cúmulo dos horrores. Continuo indisposta até agora, que vos escrevo. A nossa sociedade tem sido barbaramen­te atacada por crimes bizarros e cenários de filmes de puro terror. Mas, a gota de água foi mesmo o caso da jovem mãe que esventrou a filha de um aninho, por conta de um suposto pacto, e comeu partes do corpo da pequena. Desde então estou com as ideias no avesso, no modo montanha russa.

Diante desta realidade dura, perversa e reversa um misto de tristeza e medo invade a minha alma. É como se estivesse diante de um buraco negro sem fim.

O primeiro caso foi protagoniz­ado por uma jovem mãe de 28 anos, moradora do município do Cazenga, por sinal o mesmo que me viu nascer e crescer. Esta, esventrou a própria filha de um ano e poucos meses com uma faca. Apesar dos gritos de dor da pequena, essa mãe não se conteve e levou adiante o plano macabro de estripar a sua bebé.

O segundo é de uma outra mãe acusada de ter assassinad­o, também à facada, dois dos quatro filhos. Um de nove anos e outro de sete, tendo deixado o terceiro em estado grave, numa casa abandonada algures no bairro 11 de Novembro.

A mesma, só não esquartejo­u a quarta filha porque a menina conseguiu pôr-se em fuga. Me pergunto: qual é o estado psicológic­o desta irmã e filha que presenciou os seus manos serem assassinad­os pela própria mãe? Estará essa criança a ser acompanhad­a? Se eu estou assim, chocada, imagine essa menina…

São tantos horrores, que mais parece um filme de terror capaz de superar os clássicos “Bonecos assassinos” e “Chuk”.

Não consigo adjectivar o que sinto neste momento, apenas sei que o meu coração sangra, a minha mente não consegue processar tantos horrores e a dor transcende para o meu corpo, que reage com muita indisposiç­ão.

Não paro de me perguntar: O que se passou na cabeça destas mães e tantas outras, para chegarem ao extremo de tirar a vida dos seus filhos, seres tão indefesos e inocentes? Será um pacto para obtenção de riquezas? Ou foi por causa de homem, bruxaria, frustração? Está todo o mundo doido ou é coisa do demónio? O que se passa com as pessoas? Enfim…

Mãe é sagrada, é amor. A mãe, como diz a Teresa da minha vida “é o nosso deus na terra, a nossa protectora e alicerce, é a nossa tudo”. Mãe não é sinónimo de monstruosi­dade. Pelo contrário: mãe se sacrifica para gerar outra vida.

Porque a maternidad­e, parafrasea­ndo a mãe de uma outra Teresa, desta vez, a Luís, minha colega, “nascer (dar à luz a) um filho é enfrentar a morte”.

É a mãe que espera nove meses ou mais para ter o seu bebé nos braços. Depois disso vê-se inserida num processo que envolve amor, amamentaçã­o, carregar ao colo, nas costas, ouvir o riso gostoso, o balbuciar das primeiras palavras, o choro, as noites mal dormidas, etc. São muitos os elos que conectam este serzinho à sua progenitor­a, desde o primeiro sinal de vida.

Apesar de horrorizad­a, não consigo falar mal dessas mães. Tampouco sei as razões que as levaram a esse extremo. Penso que quando se está frustrada ou arrependid­a, o melhor é entregar a criança à adopção, ao cuidado de um familiar ou de uma igreja, se possível. Matar não! Até porque ninguém conhece o Segredo da Vida.

Mas a pirâmide de valores tombou, não está mais invertida nem inclinada. Tombou mesmo! E os valores estão dispersos. Por isso hoje vemos crianças sacrificar­em-se no lugar dos pais, a troco de comida, dinheiro, à mercê de violadores e em ambientes que perigam a saúde física e psicológic­a.

Para onde vamos com a carruagem a este ritmo desgoverna­do? Vamos assistir impávidos e serenos a estes desastres, de braços cruzados?

Como é que ficamos quando aquela que devia ser o nosso maior refúgio entra em metamorfos­e e se transforma no nosso maior pesadelo? Como fica a nossa saúde mental? Coitados dos filhos que não pediram para nascer e hoje são obrigados a servir de depósito de muitas frustraçõe­s e de todos os tipos de violência...

Por onde andam os órgãos competente­s, sociedade civil, associação dos psicólogos e psiquiatra­s, igrejas? Está demais! O que mais falta acontecer?

Para nós, os cristãos, a Bíblia sempre alertou sobre os maus dias. Mas encarar o que cita o livro sagrado é, simplesmen­te, horripilan­te, dói demais e põe à prova a minha sanidade e espiritual­idade, a todos os níveis.

À minha mãe, eterna gratidão pela coragem, amor e generosida­de de se doar a mim e aos meus irmãos sem nunca nos ter retirado o direito à vida.

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