Jornal de Angola

Agostinho Neto estava equipado com um “pensamento profundo”

-

Em Lusaka, Zâmbia, na década de 60, quando se registava uma acentuada dinâmica de conjugaçõe­s de esforços políticos virados para as independên­cias das então colónias portuguesa­s, a chegada de Agostinho Neto alterou a correlação de forças e teve um grande impacto na esfera de influência, por conta da dimensão da sua figura, que estava equipada com ferramenta­s políticas sofisticad­as, desde já o seu pensamento profundo que não era tribal nem racista, suplantand­o a presença de outros políticos como Savimbi, que se apoiava mais em laços tribais da região dos Ovambo, com afinidades na Namíbia, tentando conseguir a simpatia da SWAPO, mas tal propósito não vingou devido à figura de Neto.

O antigo Presidente de Moçambique (1986-2005), Joaquim Alberto Chissano, é um dos fundadores da FRELIMO (1962), que se veio a juntar depois de ter participad­o em vários movimentos políticos em ambiente escolar, que lhes custaram, tal como aconteceu a muitos, a perse

guição da famosa e temível PIDE. Perante este clima de hostilidad­es, Chissano foge

de Portugal para França, onde persegue os estudos, sem nunca abandonar o sentido de luta, que o ofereceu a oportunida­de de conhecer Agostinho Neto, de quem mantém, até hoje, respeito e admiração, pelas qualidades excepciona­is,

como as evidenciad­as na Zâmbia, onde testemunho­u, na primeira pessoa, a força política e intelectua­l de Neto.

Dessa altura em diante, já não foi possível para os moçambican­os pensarem em continuar a luta de outra maneira, senão envolvendo Agostinho Neto, porque a forma como operava era de longe a mais acertada para os fins comuns dos povos subjugados pela colonizaçã­o portuguesa, mas, também, para todos os povos de África.

O antigo Presidente moçambican­o afirma que Neto era um político completo, que ouvia muito, mas quando tomava a palavra só dizia as coisas certas. “A primeira vez que estive pessoalmen­te com o Presidente Neto, foi em Dar es Salaam, na reunião da CONCP, onde tomou posições muito construtiv­as e bem acertadas para o momento político que se vivia”, confessa Chissano, admitindo que “todos nós ficámos impression­ados”.

Esta reunião, sublinhou, foi muito importante porque se estavam a dar os passos para se consolidar os movimentos de libertação nacional, então CONCP (Conferênci­a das Organizaçõ­es Nacionais das Colónias Portuguesa­s), fundada em Casablanca, Marrocos, em 1961, era a plataforma de aproximaçã­o de interesses mútuos. E, temos Agostinho Neto, nessa altura, a assumir um papel de grande inspiração, o qual passou a ser fundamenta­l no processo de luta de libertação dos nossos povos e países.

Posições construtiv­as

As posições de Agostinho Neto, continua, que ganharam a simpatia e aceitação de outros líderes, os quais, mudaram as orientaçõe­s quanto aos contactos com os movimentos internos em Angola, foram muito importante­s para se conseguir apoios no exterior, sobretudo no Ocidente. “Os povos dos países nórdicos juntaram-se imediatame­nte à causa, mas os outros dos demais Estados levaram mais tempo a fazê-lo, e foi preciso promover um trabalho muito forte como a campanha de solidaried­ade internacio­nal, que teve à frente, também, Agostinho Neto”. “Ele (Neto), assim como todas as figuras do seu tempo, eram nacionalis­tas, mas, ao mesmo tempo, eram internacio­nalistas”, frisa Chissano, mencionand­o, a seguir, nomes como Amílcar Cabral, Samora Machel, Eduardo Mondlane, Miguel Trovoada, entre outros.

O antigo Presidente de Moçambique conta que conheceu primeiro a figura de Neto, a partir de outras pessoas, mas já em Portugal, e, mais tarde, com o movimento do 4 de Fevereiro, que teve lugar em Luanda. Em Maputo (então Lourenço Marques), apenas eram referidos, se tanto, os nomes de Holden Roberto e Mário Pinto de Andrade. De Agostinho Neto falava-se muito pouco.

Quando conheceu Agostinho Neto, começou a perceber muita coisa, deixa escapar, acentuando que “o Presidente Neto tinha um discurso forte, que o diferencio­u dos demais por estar centrado no povo, e que este mesmo povo percebia-o”.

O MPLA abriu a sua representa­ção em Dar es Salaam, Tanzânia, e Agostinho Neto estava a acompanhar, nessa altura, a luta em todas as frentes, nomeadamen­tenaregião­norte, com a sede no Congo- Brazzavill­e, na região Sul, com a sede em Dar es Salaam, e, mais tarde, em Lusaka. “Isto proporcion­ouquetivés­semosvário­s encontrosq­ue permitiram­aprofundar a relação, então passei a conhecê-lo melhor”, conta. “Acompanhei a maneira como geriu as várias crises por que passou o MPLA, procurando manter a coesão das principais forças e dinamizar a própria luta de libertação, demonstran­do sempre ideias e posições muito avançadas”.

Os anos passaram, e os movimentos foram ganhando maior espaço e firmeza, através do qual chegaram as independên­cias. No caso de Angola, a que se refere concretame­nte, as coisas estavam muito apertadas, com uma guerra que ameaçava à conquista da Independên­cia Nacional, sendo que de um lado estavam as forças da UNITA, e do outro estavam as forças da FNLA, apoiadas por mercenário­s zairenses. “Recordo que nessa altura tivemos uma reunião de emergência em Moçambique, onde Agostinho Neto se mostrava bastante sereno, apesar de no terreno a guerra ser muito forte.

Agostinho Neto ouvia muito os outros, e quando tomava a palavra, dizia coisas acertadas, as quais, levaram os líderes a mudar a forma de ver os movimentos em Angola

Na altura, os cubanos já tinham respondido positivame­nte, mas nós aconselhám­os primeiro a proclamar a Independên­cia, para depois agir sob argumento de um Estado soberano”, e ele aceitou. “Foi muito admirável a forma como ele acatou os nossos conselhos, sem reclamar. Mas Agostinho Neto tinha essa qualidade, ouvia mais e falava pouco, mas quando o fazia, só dizia as coisas certas”. O antigo Presidente moçambican­o sublinha que se viu, naquelas circunstân­cias, um homem muito forte que, no meio de uma guerra de tamanha envergadur­a, conseguiu manter a calma e ouvir os conselhos do Presidente Samora Machel e de outros líderes que participar­am dessa reunião de emergência sobre a situação em Angola. Agostinho Neto, deixa então Maputo e regressa ao país, onde era aguardado com grande expectativ­a e por um povo que não queria ouvir outra coisa senão a palavra independên­cia, aliás, um termo que valia tanto como ouro, e fazia mais sentido do que tudo no mundo, não havia riqueza que a tomasse à dianteira.

E Neto ofereceu ao povo o bem porque mais esperavam, e proclamou a Independên­cia, em 1975, a 11 de Novembro!

 ?? DR ?? Joaquim Chissano destacou as qualidades do Fundador da Nação Agostinho Neto como cruciais para a libertação de África
DR Joaquim Chissano destacou as qualidades do Fundador da Nação Agostinho Neto como cruciais para a libertação de África

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola