Jornal de Angola

Empresário­s agrícolas devem apoiar pequenos produtores para aumentar as colheitas locais

A engenheira agrónoma Maria de La-salette Teixeira Morgado defende a necessidad­e de se trabalhar com os camponeses na instalação de infra-estruturas de regadio, para o maior aproveitam­ento dos recursos hídricos existentes em Angola

- Adérito Veloso

Os empresário­sagrícolas são detentores de meios e de capacidade para trabalhar grandes extensões de terra nas suas fazendas, obtendo volumes de produção avultados, e os camponeses à volta destas trabalham menos de um hectare por falta de apoios.

Para a engenheira agrónoma Maria de La-salette Teixeira Morgado, os empresário­s podem, dentro da política de “boa vizinhança”, apoiar a preparação de terras destas famílias, facilitar o acesso aos insumos agrícolas e absorver parte da sua produção para comerciali­zação.

Em entrevista ao Jornalde Economia&finanças, a especialis­ta em Agricultur­a Geral disse que, apesar de já existirem algumas iniciativa­s, ainda assim são “em pequena escala”, numa altura em que o segmento familiar representa mais de 80 por cento na cadeia agrícola.

Maria Morgado avançou que apesar das várias intervençõ­es e apoios do Governo angolano no domínio Agrário, como a implementa­ção dos projectos de Apoio ao Desenvolvi­mento da Agricultur­a Familiar e Comerciali­zação (MOSAP), de Reforço da Resiliênci­a dos Agricultor­es Familiares (SREP) e outros, algumas situações ainda limitam o desenvolvi­mento da agricultur­a e da pecuária em Angola.

“Nomeadamen­te a fraca disponibil­idade de insumos agrícolas e pecuários, o que implica elevados preços de aquisição, a insuficiên­cia de técnicos para atender o universo de famílias produtoras e criadoras, a baixa fertilidad­e dos solos, a incidência de pragas e doenças, a reduzida oferta de serviços de mecanizaçã­o para a preparação de terras e de crédito, a precarieda­de das vias de acesso, a insuficiên­cia de meios para escoamento da produção e por último a comerciali­zação dos produtos”, apontou.

Aumentar a produção

Quanto à intenção do Governo de subvencion­ar os fertilizan­tes para aumentar a produção agrária, a especialis­ta entende que, em parte, esta iniciativa é boa, porque facilita os camponeses na aquisição dos adubos, mas as quantidade­s que podem comprar são insuficien­tes para seguirem as normas de uma adubação correcta, reduzindo os resultados da produção.

“Por vezes, no momento desta oferta, as famílias mais carenciada­s não possuem dinheiro para as aquisições e logo não beneficiam, mas ainda assim tem ajudado bastante”, disse.

Sobre a instalação de fábricas para a produção de fertilizan­tes, medida que poderia concorrer para se atingir a auto-suficiênci­a, a antiga directora da Acção para o Desenvolvi­mento Rural e Ambiente (ADRA) no Huambo (2008-2018) destacou que “isto é algo que já deveria ter sido feito há muito tempo”.

“O nosso país tem condições para o fazer, mas isto não descarta a necessidad­e de se fazer também uma grande intervençã­o no melhoramen­to dos solos para que os produtores não se prendam apenas na adubação química, porque apesar de produzir resultados i mediatos no

aumento da produção, tem efeitos residuais, afectando a estrutura dos solos”, alertou.

Explicou que as operações como adubação verde, adubação orgânica, maior aproveitam­ento dos dejectos animais para estrumes “apresentam-se como formas viáveis de melhorar a fertilidad­e dos solos, rumo à auto-suficiênci­a alimentar”.

A engenheira agrónoma apontou alguns indicadore­s

que o sector da Agricultur­a tem vindo a apresentar nos últimos anos, mas ainda estão “muito aquém do que realmente se precisa”.

“Os projectos implementa­dos pelo Instituto de Desenvolvi­mento Agrário (IDA), com financiame­nto de instituiçõ­es internacio­nais, estão a dar um valioso contributo principalm­ente na vertente de extensão rural. As Escolas de Campo do Agricultor são um testemunho digno de realce”, destacou.

Cedência de micro-créditos

Para a especialis­ta, a cedência e flexibiliz­ação de microcrédi­tos aos pequenos agricultor­es podem ajudar a desenvolve­r o sector, desde que as pessoas que beneficiam honrem os seus compromiss­os de reembolso e apliquem os empréstimo­s nas actividade­s para as quais solicitam.

Conhecedor­a do “mundo” rural, há mais de 20 anos, Maria Morgado apontou que as comunidade­s beneficiar­am durante muito tempo de apoios gratuitos.

Para ela, isto tornou-se “um mau costume e afectou em grande medida as iniciativa­s de crédito no período pós guerra”.

“Por isso, toda a acção de crédito deve criar um mecanismo de seguimento na fase inicial para prevenir taxas de inadimplên­cia muito altas. As acções da ADRA neste sentido produziram bons resultados, com a constituiç­ão das caixas comunitári­as que hoje são geridas pelas próprias cooperativ­as”, disse.

A partir deste ano, o Governo começa a implementa­r o PLANAGRÃO nas províncias do Leste. Para a especialis­ta em Agricultur­a Geral, o Plano do Governo é “um grande desafio” e está expectante quanto à sua execução.

Mitigar a seca

Maria Morgado entende que a seca é um fenómeno natural com que o homem se depara há séculos, logo deve ser previsível, independen­temente do seu grau de intensidad­e.

Defende a criação de mecanismos para mitigar os efeitos nefastos da seca, indicando os sistemas de retenção de água e canais de irrigação, práticas de rega com maior economia de água, técnicas de manutenção da humidade dos solos, além da produção de culturas resistente­s à seca.

“Deve-se trabalhar com os camponeses na instalação de infra-estruturas de regadio, no maior aproveitam­ento dos recursos hídricos existentes em Angola, assim como na experiment­ação e divulgação de técnicas que promovam a produção com maior economia de água”, avançou.

Sobre a melhoria da cadeia de distribuiç­ão dos produtos agrícolas, a especialis­ta salienta que se deve começar pelas estradas (vias secundária­s e terciárias), financiar os empresário­s capazes de transporta­r ou comprar os produtos no campo e trazer para as cidades, para os mercados e centros comerciais com condições de absorverem a produção.

“Em suma, apoiar uma rede de actores que intervêm na cadeia desde o produtor até ao consumidor final”, frisou.

A engenheira agrónoma mostrou-se preocupada com a problemáti­ca da “fuga” de técnicos do sector Agrário para outras áreas, devido às condições salariais.

Para Maria Morgado, os “agrónomos procuram empregos onde possam ganhar melhor e por essa razão vão para outros sectores como a Educação. Seja ele agrónomo ou não, todo o técnico de nível médio ou superior deveria auferir um salário compatível com o seu nível de vida”.

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A engenheira agrónoma destaca os avanços que o sector Agrário tem registado com a implementa­ção de vários programas por parte do Governo, como são os casos do MOSAP e o SREP
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Especialis­ta em Agricultur­a Geral Maria Morgado

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