Artistas e agentes culturais querem beneficíos fiscais da Lei do Mecenato
Os participantes do “Encontro sobre a Lei do Mecenato: promoção e valorização da cultura e das artes” realizado, recentemente, em Luanda, pela Academia Angolana de Letras, recomendaram ao Executivo à simplificação do procedimento administrativo para o acesso aos benefícios da referida lei.
O documento final, os participantes recomendam ao Executivo que crie um grupo técnico multidisciplinar constituído por agentes públicos e privados, com a missão de realizar um evento, ao mais alto nível, sobre a implementação da política de Mecenato e Incentivos aos sectores previstos na respectiva Lei nº 8/12, de 18 de Janeiro.
Recomendaram, também, a necessidade de se estimular a formação de gestores e promotores culturais visando a sua habilitação para o usufruto dos benefícios previstos na legislação sobre Mecenato e outras formas de apoio aos artistas, associações, agentes culturais, e investigadores académicos e científicos.
O “Encontro sobre Lei do Mecenato: promoção e valorização da cultura e das artes” consta do Plano de Acção da Academia Angolana de Letras (AAL) para o ano 2023, e teve como objectivo a discussão pública sobre a Lei do Mecenato enquanto instrumento que estabelece o regime jurídico de incentivos de natureza fiscal na promoção do desenvolvimento das dinâmicas culturais e artísticas.
No decorrer do encontro, testemunhado pela secretária de Estado da Cultura, Maria da Piedade de Jesus, foram apresentadas quatro comunicações, designadamente: “Lei do mecenato: promoção e valorização da cultura e das artes”, por Boaventura Cardoso, membro fundador da AAL, “Fomento do mecenato à luz do código dos benefícios fiscais”, por Nuno Borges, coordenador adjunto do Grupo Técnico Empresarial, “Lei do Mecenato: desafios para a implementação”, por Aguinaldo Cristóvão, jurista, “Benefícios Fiscais relativos ao Mecenato”, por Esteves Cambundo Francisco de Oliveira, chefe do Departamento Técnico da Direcção dos Grandes Contribuintes da Administração Geral Tributária (AGT).
O encontro permitiu a partilha de informação e conhecimentos sobre o Mecenato, estimulou a discussão entre a classe empresarial e agentes culturais, académicos e profissionais da AGT, assim como a apreciação do papel do Estado e os mecanismos que permitem maximizar o surgimento de mecenas.
Os participantes manifes
tado a urgência de se multiplicarem as acções tendentes a discussão pública sobre tão importante instrumento.
Resenha histórica
O escritor Boaventura Cardoso fez uma resenha histórica sobre as mutações ocorridas
no sector da Cultura desde 1975 até ao Século XX, comparando com as de outros países africanos, tendo citado a
Carta Africana e os discursos do Presidente António Agostinho Neto, como as premissas em que se inspirou o Governo angolano para definição das estratégias e, posteriormente, políticas culturais inicialmente sob regime monopartidário.
Mais tarde, relatou o autor de “Mãe, Materno Mar”, com o advento do multipartidarismo, o Executivo criou a Política Cultural como um conjunto de iniciativas em que o Estado e a classe empresarial privada tem as suas responsabilidades no sector. Porém, “não basta definir políticas, há que implementálas”, advogou Boaventura Cardoso, relembrando que o sector da Cultura é transversal, e que o desenvolvimento só tem sentido se for centrado no homem. “Não cabe ao Estado produzir Cultura, mas criar as condições para que a Cultura aconteça”.
Por sua vez, o jurista Aguinaldo Cristóvão defendeu que o mecenato tem sido entendido historicamente como um instrumento de políticas
públicas criado por força de lei, visando criar incentivos para aquelas entidades privadas ou públicas, colectivas (ou singulares) que, pela sua natureza jurídica, estejam habilitadas a disponibilizar recursos de natureza financeira ou não financeira para atender a determinadas áreas e finalidades de interesse público.
“A experiência decorrente da implementação do regime jurídico do Mecenato pelos diversos países permitiu consolidar a visão sobre a sua utilidade, sobretudo aqueles países que pretendem impulsionar de modo eficaz o sector da cultura e das artes. A experiência brasileira sobre a implementação da lei Rouaney constitui um interessante indicador sobre a adopção desta política pública, nos seus aspectos positivos e negativos”, realçou.
Destacou ainda que, tendencialmente os países que possuem orçamentos mais elevados para o sector da cultura ou que possuam sólidos orçamentos plurianuais para as diferentes áreas do sector da Cultura e Artes tendem a não adoptar o Mecenato como um instrumento relevante para as suas políticas públicas.
“A política do mecenato tem como contexto habitual a necessidade e demanda social, pois a sua existência e implementação está indissociavelmente relacionada com a necessidade de estímulos ao sector privado para a responsabilidade social assumida pelos Governos, bem como a reivindicação de políticas públicas activas para o sector cultural, protagonizada pelos agentes sociais e culturais”.
O jurista lembrou que, os benefícios ou incentivos fiscais constituem indicadores do enquadramento da política do Mecenato, na sua fase de implementação. A Lei do Mecenato está enquadrada no sistema fiscal dos países, o qual conforma todo o quadro regulatório de benefícios fiscais necessários e assegura a eficácia e sustentabilidade da medida”.
Deste modo, adiantou, a política do Mecenato tem sucesso nos casos em que há uma confluência de interesses entre o sector público e privado, que constituem a parte activa dos agentes culturais privados e entidades públicas especializadas, que constituem a parte passiva, e o Governo (que é o regulador).
Enquadramento
Aguinaldo Cristóvão referiu que a implementação do Mecenato como política pública decorreu da Política Cultural da República de Angola, aprovada pelo Decreto n.º 15/11, de 11de Janeiro, que caducou em 2021. “No plano da materialização das políticas públicas ela assumiu a forma de lei, por força da Lei n.º 8/12, de 18 de Janeiro com a designação da Lei do Mecenato. O seu surgimento justificou-se pela necessidade de suportar a implementação de uma forte estratégia de implementação da Política Cultural”.
Segundo o jurista, registase uma relação de causa e efeito entre as emergências de crises financeiras e a abordagem sobre a relevância da política do Mecenato.
Lembrou que a Lei do Mecenato foi aprovada após a crise financeira de 2008, a chamada bolha imobiliária de “Wall Street”, cujas repercussões e efeitos à escala mundial foram visíveis vários anos depois, gerando, em 2014, um período de menor disponibilidade financeira “decorrente da volatilidade da nossa economia do preço do barril do petróleo, tendo sido este o contexto da entrada em vigor do regime jurídico regulamentar”.
Uma outra fase que afectou a implementação do Mecenato ocorreu após as
eleições de 2017, com a crise cambial que se seguiu “foi relevante revisitar a Lei do Mecenato visando aprovar as alterações necessárias à sua efectiva implementação e chamar a tenção do empresariado”.
Por isso, defendeu que uma política do mecenato é impulsionada pela necessidade dos Governos financiarem determinadas despesas de projectos públicos com receitas provenientes de acto reprovados, nos casos em que este tenha menor disponibilidade financeira ou entenda como mais conveniente.
“A Lei do Mecenato nas suas diferentes fases foi conformada e acompanhou a re f orma t r i butária e m Angola. Todavia, não pôde acompanhar o carácter mutável do sistema fiscal nacional, nem adequar-se às sucessivas alterações e revisões legislativas já operadas pela legislação fiscal desde 2012.Este terá sido um factor crítico de insucesso da eficácia da Lei do Mecenato, pois, claramente, deixou de ser tão atractiva quanto as novidades sobre as alterações do regime fiscal”.