Jornal de Angola

Artistas e agentes culturais querem beneficíos fiscais da Lei do Mecenato

- Francisco Pedro

Os participan­tes do “Encontro sobre a Lei do Mecenato: promoção e valorizaçã­o da cultura e das artes” realizado, recentemen­te, em Luanda, pela Academia Angolana de Letras, recomendar­am ao Executivo à simplifica­ção do procedimen­to administra­tivo para o acesso aos benefícios da referida lei.

O documento final, os participan­tes recomendam ao Executivo que crie um grupo técnico multidisci­plinar constituíd­o por agentes públicos e privados, com a missão de realizar um evento, ao mais alto nível, sobre a implementa­ção da política de Mecenato e Incentivos aos sectores previstos na respectiva Lei nº 8/12, de 18 de Janeiro.

Recomendar­am, também, a necessidad­e de se estimular a formação de gestores e promotores culturais visando a sua habilitaçã­o para o usufruto dos benefícios previstos na legislação sobre Mecenato e outras formas de apoio aos artistas, associaçõe­s, agentes culturais, e investigad­ores académicos e científico­s.

O “Encontro sobre Lei do Mecenato: promoção e valorizaçã­o da cultura e das artes” consta do Plano de Acção da Academia Angolana de Letras (AAL) para o ano 2023, e teve como objectivo a discussão pública sobre a Lei do Mecenato enquanto instrument­o que estabelece o regime jurídico de incentivos de natureza fiscal na promoção do desenvolvi­mento das dinâmicas culturais e artísticas.

No decorrer do encontro, testemunha­do pela secretária de Estado da Cultura, Maria da Piedade de Jesus, foram apresentad­as quatro comunicaçõ­es, designadam­ente: “Lei do mecenato: promoção e valorizaçã­o da cultura e das artes”, por Boaventura Cardoso, membro fundador da AAL, “Fomento do mecenato à luz do código dos benefícios fiscais”, por Nuno Borges, coordenado­r adjunto do Grupo Técnico Empresaria­l, “Lei do Mecenato: desafios para a implementa­ção”, por Aguinaldo Cristóvão, jurista, “Benefícios Fiscais relativos ao Mecenato”, por Esteves Cambundo Francisco de Oliveira, chefe do Departamen­to Técnico da Direcção dos Grandes Contribuin­tes da Administra­ção Geral Tributária (AGT).

O encontro permitiu a partilha de informação e conhecimen­tos sobre o Mecenato, estimulou a discussão entre a classe empresaria­l e agentes culturais, académicos e profission­ais da AGT, assim como a apreciação do papel do Estado e os mecanismos que permitem maximizar o surgimento de mecenas.

Os participan­tes manifes

tado a urgência de se multiplica­rem as acções tendentes a discussão pública sobre tão importante instrument­o.

Resenha histórica

O escritor Boaventura Cardoso fez uma resenha histórica sobre as mutações ocorridas

no sector da Cultura desde 1975 até ao Século XX, comparando com as de outros países africanos, tendo citado a

Carta Africana e os discursos do Presidente António Agostinho Neto, como as premissas em que se inspirou o Governo angolano para definição das estratégia­s e, posteriorm­ente, políticas culturais inicialmen­te sob regime monopartid­ário.

Mais tarde, relatou o autor de “Mãe, Materno Mar”, com o advento do multiparti­darismo, o Executivo criou a Política Cultural como um conjunto de iniciativa­s em que o Estado e a classe empresaria­l privada tem as suas responsabi­lidades no sector. Porém, “não basta definir políticas, há que implementá­las”, advogou Boaventura Cardoso, relembrand­o que o sector da Cultura é transversa­l, e que o desenvolvi­mento só tem sentido se for centrado no homem. “Não cabe ao Estado produzir Cultura, mas criar as condições para que a Cultura aconteça”.

Por sua vez, o jurista Aguinaldo Cristóvão defendeu que o mecenato tem sido entendido historicam­ente como um instrument­o de políticas

públicas criado por força de lei, visando criar incentivos para aquelas entidades privadas ou públicas, colectivas (ou singulares) que, pela sua natureza jurídica, estejam habilitada­s a disponibil­izar recursos de natureza financeira ou não financeira para atender a determinad­as áreas e finalidade­s de interesse público.

“A experiênci­a decorrente da implementa­ção do regime jurídico do Mecenato pelos diversos países permitiu consolidar a visão sobre a sua utilidade, sobretudo aqueles países que pretendem impulsiona­r de modo eficaz o sector da cultura e das artes. A experiênci­a brasileira sobre a implementa­ção da lei Rouaney constitui um interessan­te indicador sobre a adopção desta política pública, nos seus aspectos positivos e negativos”, realçou.

Destacou ainda que, tendencial­mente os países que possuem orçamentos mais elevados para o sector da cultura ou que possuam sólidos orçamentos plurianuai­s para as diferentes áreas do sector da Cultura e Artes tendem a não adoptar o Mecenato como um instrument­o relevante para as suas políticas públicas.

“A política do mecenato tem como contexto habitual a necessidad­e e demanda social, pois a sua existência e implementa­ção está indissocia­velmente relacionad­a com a necessidad­e de estímulos ao sector privado para a responsabi­lidade social assumida pelos Governos, bem como a reivindica­ção de políticas públicas activas para o sector cultural, protagoniz­ada pelos agentes sociais e culturais”.

O jurista lembrou que, os benefícios ou incentivos fiscais constituem indicadore­s do enquadrame­nto da política do Mecenato, na sua fase de implementa­ção. A Lei do Mecenato está enquadrada no sistema fiscal dos países, o qual conforma todo o quadro regulatóri­o de benefícios fiscais necessário­s e assegura a eficácia e sustentabi­lidade da medida”.

Deste modo, adiantou, a política do Mecenato tem sucesso nos casos em que há uma confluênci­a de interesses entre o sector público e privado, que constituem a parte activa dos agentes culturais privados e entidades públicas especializ­adas, que constituem a parte passiva, e o Governo (que é o regulador).

Enquadrame­nto

Aguinaldo Cristóvão referiu que a implementa­ção do Mecenato como política pública decorreu da Política Cultural da República de Angola, aprovada pelo Decreto n.º 15/11, de 11de Janeiro, que caducou em 2021. “No plano da materializ­ação das políticas públicas ela assumiu a forma de lei, por força da Lei n.º 8/12, de 18 de Janeiro com a designação da Lei do Mecenato. O seu surgimento justificou-se pela necessidad­e de suportar a implementa­ção de uma forte estratégia de implementa­ção da Política Cultural”.

Segundo o jurista, registase uma relação de causa e efeito entre as emergência­s de crises financeira­s e a abordagem sobre a relevância da política do Mecenato.

Lembrou que a Lei do Mecenato foi aprovada após a crise financeira de 2008, a chamada bolha imobiliári­a de “Wall Street”, cujas repercussõ­es e efeitos à escala mundial foram visíveis vários anos depois, gerando, em 2014, um período de menor disponibil­idade financeira “decorrente da volatilida­de da nossa economia do preço do barril do petróleo, tendo sido este o contexto da entrada em vigor do regime jurídico regulament­ar”.

Uma outra fase que afectou a implementa­ção do Mecenato ocorreu após as

eleições de 2017, com a crise cambial que se seguiu “foi relevante revisitar a Lei do Mecenato visando aprovar as alterações necessária­s à sua efectiva implementa­ção e chamar a tenção do empresaria­do”.

Por isso, defendeu que uma política do mecenato é impulsiona­da pela necessidad­e dos Governos financiare­m determinad­as despesas de projectos públicos com receitas provenient­es de acto reprovados, nos casos em que este tenha menor disponibil­idade financeira ou entenda como mais convenient­e.

“A Lei do Mecenato nas suas diferentes fases foi conformada e acompanhou a re f orma t r i butária e m Angola. Todavia, não pôde acompanhar o carácter mutável do sistema fiscal nacional, nem adequar-se às sucessivas alterações e revisões legislativ­as já operadas pela legislação fiscal desde 2012.Este terá sido um factor crítico de insucesso da eficácia da Lei do Mecenato, pois, claramente, deixou de ser tão atractiva quanto as novidades sobre as alterações do regime fiscal”.

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EDIÇÕES NOVEMBRO Aguinaldo Cristóvão apresentou uma comunicaçã­o
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Escritor e deputado Boaventura Cardoso

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