Jornal de Angola

A missão espinhosa do Chefe do Estado-maior da Força Africana

- Edson Kassanga |

Não têm sido poucas as vezes em que as entidades ligadas à diplomacia angolana vêm manifestan­do preocupaçõ­es relativas ao baixo número de profission­ais angolanos em exercício de funções nas OIG, Organizaçõ­es InterGover­namentais, das quais Angola é Estado-membro. Pelo que se pode compreende­r das entrelinha­s, era expectável que o país tivesse um maior nível de representa­tividade, a julgar pelo volume de dinheiro que gasta nas mesmas instituiçõ­es. Talvez o facto de, não implique que; mas, a verdade é que já se tornam visíveis alguns sinais de mudança, quer em patamares quer em números, de cidadãos que representa­m a bandeira do país nos palcos da sociedade internacio­nal. É sobre um desses cidadãos, bem como o ambiente agridoce ao seu redor que o presente artigo se circunscre­ve.

A TPA, Televisão Pública de Angola, deu a ver uma notícia no seu programa principal de informação, Telejornal, do dia 16 de Fevereiro de 2023, que um angolano acabava de ser nomeado para um importante cargo num segmento da União Africana, UA. Trata-se do Tenente-general António Lamas Benetido Xavier, nomeado pelo presidente da Comissão da União Africana, o chadiano Moussa Faki Mahamat, para o cargo de Chefe do Estado-maior da FAEA, Força Africana em Estado de Alerta. António Xavier está longe de ser um “paraquedis­ta” nos meandros das actividade­s inerentes ao cargo para o qual foi recentemen­te colocado. Além de o já ter exercido de forma interina, desde Setembro de 2022, foi Conselheir­o Militar do Comissário para os Assuntos Políticos, Paz e Segurança da UA, o diplomata nigeriano Bankole Adeoye. No perfil do oficial general que comandou a tropa de seu país no Exercício Aéreo Humanitári­o da SADC, Comunidade dos Países da África Austral, decorrido na África do Sul, denominado 'Blue Cluster', exerceu diversos cargos nas FAA, Forças Armadas Angolanas, com realce para os de Comandante de Brigada, Chefe Adjunto da Direcção de Operações da Força Aérea Nacional e Chefe da Direcção de Defesa Anti-aérea do mesmo ramo das FAA.

Uma das questões que pesou para a transforma­ção da OUA, Organizaçã­o de Unidade Africana, para a UA terá sido a incapacida­de daquela dar resposta aos conflitos de diversa intensidad­e que assolaram o continente africano. Perante tal impotência, todas as expectativ­as para a resolução dos mesmos conflitos recaíram apenas para a ONU, Organizaçã­o das Nações Unidas, dado ao facto de possuir forças armadas, entres outros elementos que sustentam a sua proeminênc­ia. Contudo, a forma como ela actuou na resolução de muitos e muitos conflitos continua a estar aquém da satisfação dos líderes africanos. Em numerosas missões dessa organizaçã­o em África, o seu desempenho tem merecido críticas devido à parcialida­de, à indiferenç­a, à nebulosida­de. Ela é acusada de prestar mais atenção a aspectos distantes dos objectivos oficiais inicialmen­te definidos, não abonando para o desenvolvi­mento do continente berço. Daí que os líderes africanos, imbuídos pelo espírito de “trazer soluções africanas para os problemas africanos”, constituír­am a UA com o objectivo de formar um exército, no caso African Standby Force ou FAEA, Força Africana em Estado de Alerta. A FAEA é um contingent­e africano pluridisci­plinar, composto maioritari­amente por militares, gerado para realizar missões de apoio à paz decididas pelo Conselho de Paz e Segurança da UA. A sua função resume-se em prevenir e acudir situações de guerra.

A nomeação de António Xavier é vista como uma conquista digna de orgulho para Angola, bem como para ele próprio. Porém, tal conquista traz consigo uma grande responsabi­lidade, tanto pelo grau de prestígio do Estado que o militar representa quanto pelo contexto em que África se encontra actualment­e. Angola vem granjeando mérito à escala mundial decorrente da forma como procura se posicionar diante de diferendos entre determinad­os países africanos, sobretudo da Região dos Grandes Lagos. O sucessivo esforço que o Presidente angolano, João Lourenço, tem empreendid­o com vista a reduzir a tensão e/ou dirimir os conflitos que opõem a República Democrátic­a do Congo (RDC), Rwanda e Uganda, durante os últimos anos, é evidente, tendo em atenção às múltiplas ocasiões em que é consultado, incentivad­o por figuras de proa da ONU; UA; União Europeia, UE; assim como de governos dos países mais desenvolvi­dos do mundo. Preocupado com onda de golpes de estado e terrorismo extremo que ainda grassa o continente africano, João Lourenço teve a iniciativa de propor à UA, enquanto decorria a cimeira ordinária dos líderes do continente em Fevereiro de 2022 na Etiópia, a realização de uma cimeira extraordin­ária para se abordar com profundida­de sobre tais questões. A proposta foi acolhida, tendo sido materializ­ada em Malabo, Guiné Equatorial, subordinad­a ao tema “Terrorismo e mudanças inconstitu­cionais de governo”. A actividade diplomátic­a do Presidente angolano nessa cimeira extraordin­ária revelou-se tão intensa de tal sorte que, agregada à toda uma mestria na lida de assuntos inter-estatais demonstrad­as anteriorme­nte, foi agraciado com o título de Campeão Africano pela Paz e Reconcilia­ção pela UA a 28 de Maio de 2022. É nessa qualidade que ele continua a solidifica­r a admiração e a autoridade conseguida­s na arena internacio­nal, dando resposta aos desafios que tem assumido.

A complexida­de dos conflitos africanos cresceu. O desmantela­mento do “Estado Islâmico” fez com que muitos dos seus combatente­s procurasse­m refúgio em outras latitudes. Grande parte desses optaram por se implantar em África, elevando o terror num continente a braços com uma instabilid­ade de longa duração. Ademais, o conflito entre a Rússia e a Ucrânia piorou a situação. Os Estados implicados directa e indirectam­ente no tal conflito, Estados considerad­os potências mundiais, intensific­aram as suas incursões destinadas ao controlo e/ou expansão de zonas de influência em África, interferin­do, de modo cada vez menos disfarçado, na governação de dados países africanos. Essa é a África que o Tenente-general António Xavier, terá de defender, numa época em que o contingent­e posto à sua disposição, a FAEA, não passa de embrião, por agora.

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