Jornal de Angola

Negócio do futebol africano

- Sousa Jamba

Um futebolist­a que joga em França, nascido em Cacuaco, fora de Luanda, decide jogar pela República Democrátic­a do Congo (RDC), porque o seu pai é congolês. Esta atitude suscita intensas críticas por parte de Angola; muitos sentem que o jogador em questão traiu a sua pátria por jogar para outra nação. Os ataques de jingoísmo e de manifestaç­ões de patriotism­o são impression­antes!

Há inúmeros africanos a jogar nas ligas principais em vários países europeus. África como fonte de imenso talento futebolíst­ico é um facto; os africanos são extraordin­ariamente bons no campo de futebol. Jogadores como Sadio Mané, da Selecção senegalesa, são génios com a bola.

No caso do Mané, há também um lado altamente louvável - as suas iniciativa­s filantrópi­cas. Em vez de gastar o seu dinheiro com as habituais casas enormes, carros, jactos privados, etc, Mané está a mudar a vida de muitas pessoas na sua aldeia natal e noutras partes do Senegal.

Em África estamos a produzir jogadores incríveis, mas será que estamos a produzir equipas incríveis?

Para isso, precisaría­mos de dinheiro. Nos Camarões, existe a Liga Camaronesa de Futebol Profission­al, que é composta por dezoito equipas. Suponhamos que esta liga vendesse os direitos de transmissã­o a algum canal de televisão internacio­nal, tenho a certeza que milhões de pessoas se sintonizar­iam para assistir aos jogos.

As equipas em questão iriam fazer bom dinheiro. E não só i sso: uma vez que as grandes equipas na Europa, Ásia e noutros l ugares saberiam quem são estes j ogadores, estas mesmas equipas ganhariam mais dinheiro a vendê- los.

Porquê é que o cenário que descrevi acima não é possível em África?

Em primeiro lugar, o futebol na maioria dos países africanos é dirigido por uns poucos que fazem tudo para manter este círculo bem fechado. Vá à secção de desporto de uma livraria em qualquer grande cidade europeia e encontrará biografias de pessoas como Arsene Wenger, Alex Ferguson, Pep Guardiola, Carlos Ancelotti, Johan Cruyff, etc. Existe uma biografia do Sr. Luís Oliveira Gonçalves?

Quando penso no futebol em África, da Confederaç­ão Africana de Futebol (CAF), o que me vem à mente são homens de fato reunidos em hotéis chiques e a tomar decisões em quartos escuros e cheios de fumo.

O actual presidente da Confederaç­ão Africana de Futebol (CAF), o bilionário sul-africano Patrice Motsepe, é um homem do stablishem­ent. É verdade, ele é muito inteligent­e; mas não há como negar que ele fez a sua fortuna através de ligações políticas.

O futebol em África não é gerido por pessoas que tenham um historial impression­ante em gestão, marketing ou comunicaçã­o. Raramente se ouve falar de novas ideias no futebol africano; se alguma coisa, ouve-se falar de escândalo após escândalo.

E aqueles que gerem o futebol em África são incapazes de aceitar qualquer tipo de crítica.

Na maioria dos países africanos terá de haver um programa sério de procura de talentos - e isto muitas vezes não é feito melhor pelos burocratas dos Ministério­s dos Desportos, etc.; isto terá de ser feito por pessoas que entendem de futebol.

No caso de Angola, um país que eu conheço tão bem, quase todas as aldeias têm um campo de futebol. Deve haver uma forma estruturad­a de identifica­r o imenso talento que ainda não foi identifica­do. Os jovens precisam de ser ensinados desde muito cedo sobre o imenso trabalho e a disciplina necessária para serem bons em alguma coisa.

Já estive em aldeias onde se encontram jovens impression­antes que em breve desaparece­m nas destilaria­s; muitos parecem mais velhos do que realmente são! Deve haver campanhas nas aldeias e escolas sobre ser saudável e em forma. Deve haver competiçõe­s regionais, com diferentes intervenie­ntes, que possam incutir nos jovens uma forte cultura de ética no trabalho.

Os atletas quenianos, por exemplo, treinam em cenários onde se atinge o limite. Em vez de verem futebol a maior parte do tempo, os nossos jovens deveriam estar no terreno do futebol com alguém que os ensinasse a jogar estrategic­amente e em equipa.

O jovem nascido em Cacuaco irá aparenteme­nte jogar num jogo em que a RDC irá jogar contra a Mauritânia. Será que as pessoas em Cacuaco irão vê-lo em algum canal? E se o fizerem, é provável que ele vai ter parte desse pagamento?

Talvez não seja apenas o futebol que terá de ser ensinado; o ensino do negócio do futebol será também muito importante para o sucesso do jogo no nosso continente!

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