Jornal de Angola

Poetisa vê na arte o lugar para construir a plenitude

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“Os livros foram como uma descoberta para mim e tiveram um papel primordial para a manutenção da minha criativida­de e imaginação. Tive uma infância e adolescênc­ia um tanto quanto complicada­s e os livros serviram-me de escape, porém, na época eram muito escassos e poucos tinham acesso. A minha mãe era a pessoa que os comprava, mas tinha muitas dificuldad­es para encontrar livros sobre a literatura angolana, sobretudo infantil”

Poeta, ensaísta, membro co-fundadora do Movimento Litteragri­s e do Círculo Literário e Linguístic­o Litteragri­s, Marquita 50 é a autora do livro “As Simetrias de Mulher”, com o qual venceu a primeira edição do concurso FEJETEC. A autora tem textos publicados nas revistas “Agrís Magazine” e “Tunda Vala” e na antologia “Sementes da Língua” Qual foi o primeiro contacto com a literatura?

A escrita faz parte da minha vida desde criança, a partir da minha experiênci­a como leitora. Ler era o que eu mais gostava de fazer. Gostava de tudo, em especial as histórias infantis, como “As Aventuras de Gulliver” e “Alice no País das Maravilhas”.

Como aconteceu a descoberta da escrita?

Os livros foram como uma descoberta para mim e tiveram um papel primordial para a manutenção da minha criativida­de e imaginação. Tive uma infância e adolescênc­ia um tanto quanto complicada e os livros serviram-me de escape, porém, na época eram muito escassos e poucos tinham acesso. A minha mãe era a pessoa que os comprava, mas tinha muitas dificuldad­es para encontrar livros sobre literatura angolana, sobretudo infantil. Portanto, quando não t i nha l i vros novos inventava a própria história. Foi desta forma que começou a nascer em mim o gosto pela escrita.

Quando surge a paixão pela poesia?

O meu irmão estava a escrever alguns poemas e convidou-me a fazer parte do movimento l i terário de Viana, que anos depois evoluiu para o Litteragri­s. Lá tive aulas sobre Teorias da Literatura, Filosofia da Arte e Escrita Criativa, que me permitiram aperfeiçoa­r mais a escrita e a despertar a paixão pela poesia. Além de aprender, divertia-me muito. Sentia- me acolhida. Nessa altura, percebi que era o que queria fazer. Depois, fiz alguns cursos e f oi assim que ganhei mais i ntimidade com a e s c r i t a e a l i t e r at ura. Naquela época, já participav­a em festivais e competiçõe­s. Hoje sinto que encontrei o caminho certo.

A arte é o lugar onde me sinto plena.

Ainda se lembra do primeiro poema?

Eu escrevia muitos poemas, como uma forma de me expressar, mas eram apenas como passatempo. Não tinha nenhuma intenção de ser uma poetisa. Um dos primeiros poemas que escrevi f oi “Diante de Deus”, na altura com 16 anos. Na altura tinha perdido o avô e uma das formas para reduzir a dor foi a escrita. Só nesse momento percebi que as situações da vida influencia­m muito na escrita.

Que assuntos estão no centro dos seus textos?

Para mim, a escrita gira muito em torno do meio em que estamos e das situações que ocorrem. É algo que apenas surge. Posso falar sobre algo pessoal ou de alguém próximo, desde que seja um acontecime­nto marcante e capaz de fazer o autor reflectir nele. Entretanto, tenho uma forte inclinação a questões ligadas às mulheres, por serem a grande fonte da vida. Infelizmen­te, ainda vivemos numa sociedade em que se olha para a mulher como um símbolo de fraqueza e de i ncapacidad­e. Mas, gosto de olhar o mundo com os olhos das mulheres, por serem guerreiras e verdadeira­s figuras de força e de resiliênci­a.

Que impacto teve o livro “As simetrias de Mulher” na sua carreira?

É o l ivro que marcou a minha estreia na literatura.

Fui premiada duas vezes e participei em antologias, devido aos poemas escritos nele. É a partir dele que o mundo me conhece como poetisa. Além disso, é um livro com que muito me identifico. Significa muito para mim, não apenas pelo facto de ser o primeiro, mas também porque mudei bastante depois de o ter public a d o . O s e u c o nte ú d o também é muito amplo, pois procura explorar os conflitos da alma contra a sociedade e o contraste da existência que aj uda a entender o sentido para a experiênci­a da vida.

Tem alguma escritora que seja referência para si?

Entre as autoras, as minhas referência­s são Ana Paula Tavares, Kanguimbo Ananás e Ana de Santana. Além dessas, tenho ainda como referência, mas desta nova g e r a ç ã o , nomes c o mo Andina Rodrigues, Kátia Santos e Bel Neto, que têm despontado dentro da poesia angolana. No entanto, a literatura angolana, em especial a poesia, é dividida por aquelas que escrevem preocupada­s com o conteúdo e a estética e as que fazem de forma emocional, sem muitos cuidados com a linguagem.

Que avaliação faz da poesia no feminino?

Apesar dos grandes avanços que temos vindo a constatar, penso que a literatura angolana ainda precisa de produzir estudos para ajudar muitas jovens autoras, em especial quanto à produção. Além disso, a preocupaçã­o primária deve ser colocar livros de qualidade no mercado, que sejam capazes de criar uma identidade no leitor, explorar as particular­idades da realidade em que vivemos, com realce para as questões ligadas à mulher. Os poemas sobre mulheres fornecem uma visão dos sacrifício­s feitos para se enfrentar o mundo. Por isso, a união entre as escritoras angolanas é imprescind­ível para elevar a poesia no feminino.

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