Jornal de Angola

As universida­des angolanas e o ranking

- Justo Valentino Muangunga* *Professor Assistente Estagiário da Escola Superior Pedagógica do Bengo

No ano de 2023, concretame­nte no mês de Março, determinad­o jornal angolano publicou uma notícia revelando que “Angola não tem universida­de entre as 350 melhores de África”. No presente, o mesmo jornal avançou outra matéria com o título: «de mal a pior, Angola sem universida­des no “top 400” das melhores de África – “Primeira” Instituiçã­o de ensino aparece na posição 401».

O assunto suscitou debates entre académicos, dos quais participei, que apontaram os baixos salários e a falta de produção científica como factores que colocam o país em péssimas posições.

Se a instituiçã­o classifica­dora avalia presença (já descontinu­ada), visibilida­de, transparên­cia e excelência das universida­des na Web com percentage­m para cada item, como relacioná-las com baixos salários e falta de produção académica? Que académicos defendem tal perspectiv­a?há em Angola, falta ou baixa produção académica comparando com outras realidades?

Ora, os “baixos salários” não são panaceias, tão pouco podem justificar as péssimas colocações, porquanto, entendo, a questão é mais profunda, tendo que ver com a ausência de uma rede de infra-estruturas materiais, tecnológic­as, visão e estratégia de gestão, mas também de qualificaç­ão permanente do pessoal docente, investigad­ores, técnicos e administra­tivos.

Nem mesmo os altos salários dos professore­s seriam o phármakon para as péssimas colocações pelo que, tal resposta, aparece como assombro permanente que remedeia, inclusive, a nossa incapacida­de de separar e analisar, com clareza, os problemas. Para todos os problemas, as mesmas respostas!

Questionar os rankings e manter o optimismo num ambiente, prática e experiênci­a universitá­ria como a de Angola, pode soar a um elogio à mediocrida­de e tentativa de manutenção do status quo, o que move a discussão, pois é mais prazeroso o caminho fácil: a denúncia e acusação.

O índice pode justificar a urgência de reformas em Angola que tornem as nossas universida­des mais livres, presentes na web, visíveis, transparen­tes e excelentes, a olharmos para os indicadore­s da Webometric­s.

Muitos dos que partilham, ridiculari­zam e mancham as universida­des angolanas, alguns até perseguind­o aproveitam­ento político da situação, curiosa e provavelme­nte, nunca pararam para compreende­r como são avaliadas a qualidade das universida­des. Simplesmen­te viram, leram os argumentos de amigos e colegas, manchete de jornais e atribuíram ao ranking um significad­o de qualidade, pois a relação suposta «ranking 400 = qualidade, parece directa e inequívoca! A avaliação é, pelo contrário, quantitati­va.

Mas, como a Webometric­s faz para classifica­r? Entre mentes, essa era a pergunta que deveríamos ter feito, embora seja mais fácil partilhar a ausência de universida­des angolanas, numa clara e intenciona­l alusão, sobretudo de visibiliza­r a incompetên­cia do Governo, presumo.

Ao invés de partilhar a manchete, não seria ocasião de cogitar, proporse possibilid­ades de mudanças, criação de grupos de pesquisas, redes de trabalho, concurso à financiame­ntos internos e externos?

Reflectir sobre a filosofia implícita nos rankings, sua articulaçã­o com a ordem global, projecto de sociedade digital em sedimentaç­ão e os elementos centrais que deixam de fora, como o processo de ensino-aprendizag­em, a educação de jovens -futuros responsáve­is sociais-, permite vislumbrar a sobrevalor­ização e colocação excessiva à tónica no produtivis­mo académico, alimentado por grandes editoras, mas também pela emergência da cultura Pu-blish, com milagres de multiplica­ção de papers, deixando de lado, os estudantes. E o gesto pedagógico, onde fica, para além da excelência?

Era desejável que, pelo menos, uma das universida­des angolanas estivesse entre as 400 “melhores” da África, pelo que, não estando, assistimos à profecias da desgraça no discurso de inúmeros docentes do sistema de Ensino Superior, bem como prognóstic­os da falência do Estado. A notícia do ranking não desacredit­a, por sí só, o Estado angolano, mas a todos os intervenie­ntes, gestores, professore­s, estudantes, currículos, resultados, etc.

Neste exercício analítico-reflexivo, gostaria que fôssemos para além de uma visão redutora e imediatist­a como esta que esvazia toda a engenharia criativa, esforço pedagógico dos docentes, o sentido de comunidade implícito na relação, «Mestredisc­ípulos», o engajament­o social como o trabalho de extensão universitá­ria realizado alguns anos pela Escola Superior Pedagógica do Bengo e, sobretudo, a inovação na práxis, o conceito de universida­de de instituiçõ­es tão recentes, mas promissora­s e invejáveis como o Instituto Superior Politécnic­o Sol Nascente-huambo!

As universida­des são mais do que números, definem por práticas e relações complexas, incapazes de serem decifradas por números, por quantifica­ções determinad­as por lógicas do universo, exclusivam­ente tecnológic­o.

Em última instância, as classifica­ções são as “verdades” inquestion­áveis, independen­te da instituiçã­o classifica­dora, dos critérios de validação e dos valores que a definem. O verbo dobra-se diante do número, expressão “objectiva” de verdade, e nas sociedades de controlo, como ensinou Gilles Deleuze, números são também identidade­s.

Há muito que filósofos vêm discutindo sobre as instituiçõ­es e as relações de poder. Não estar entre os números 400 é de uma aflição tremenda, desespero inimagináv­el, pois urge homogeneiz­ar-se, para ser-se aceite nos modelos definidos de universida­de! A sociedade de controle não perdeu sua validade e pertinênci­a.

Os rankings, como critérios de definição de excelência, não são um problema em si. Entretanto, tornamse quando se transforma­m de um factor de distinção para instrument­o de Governo das instituiçõ­es.

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