Jornal de Angola

O sermão que desagradou aos fiéis

- Pereira Dinis

Ontem, pelo menos na Kimbi, a maralha acordou bem, “Na Paz do Senhor” como agora se diz. Na Placa 007, na fronteira do areal para o asfalto, a maralha estava a zuelar (falar) sobre a selecção da Kimbi que tinha cortado miinimigo (entenda-se, estava desavinda) com os que dormem e acordam com o futebol no coração. Ou seja, não se cansam de maboçar (conversar) sobre quem deve ser o treinador, quem é que deve ser selecciona­do e outras lenga-lenga do desporto-rei.

A conversa estava tão boa e tão fluída, que, quando surgiu o Wassaluka, que sem dar bom dia, como mandam as regras da boa educação, disse que estava a sair da Sanzala dos Parentes Mais Pobres, onde o que ouviu e viu se chegar à Kimbi muitos não vão gostar.

Mas não disse quem são estes “muitos”, o que fez o Ti Kifumbi dizer ao Wassaluka para brincar bem, porque ali se estava a falar de conversa séria, que é o futebol, que faz, às vezes, esquecer asmalambas (pensamento­s) do diaa-dia que todos estão com ele. Homens, mulheres, mais velhos, jovens e até crianças.

Wassaluka, como um dos kandengues (menor de idade) que apareceu na Placa 007, vindo da Sanzala dos Parentes Mais Pobres, ao ouvir as dicas do Ti Kifumbi fechou o bico.

A conversa sobre a selecção da Kimbi continuou. Uns diziam que a mesma é constituíd­a de bons jogadores. Outros que só não chega mais longe, quando joga nas competiçõe­s internacio­nais, porque faltam, sempre, os apoios. Outros ainda, porque há desorganiz­ação por parte de quem dirige o game.

A conversa continuou fluída. Já que estava no limão (entenda-se, boa)surge o Wacodiua a gritar: “Hé! Bombô molhou. É maka grande na Sanzala dos Parentes Mais Pobres. Os deputados e ministros de lá e os da sociedade civil ouviram as boas novas do mais velho Tunda Boba”.

Aí, os que estavam presentes na Placa 007 fecharam o bico. O Ti Kifumbi, meio nervoso, pediu ao Wacodiua para contar o que aconteceu ou o que está a acontecer na Sanzala dos Parentes Mais Pobres.

Sem dar um passo em frente, nem para trás, nem sequer virar à direita ou à esquerda, o Wacodiua, que estava junto do seu sobrinho de nome Nistempo Nizua, começou por contar, sem pestanejar.

Na semana passada, referiu, na Sanzala dos Parentes Mais Pobres, o mais velho Tunda Boba, ninguém sabia porquê, reclamava dizendo que é triste o que está a acontecer ali.que é triste ver crianças de mulher e de homem saírem de manhã para irem à procura do pão nosso de cada dia para a família, quando devia ser o contrário, porque era assim, naquele tempo.

Porque àquela hora que as crianças procuram o pão para os pais, é a hora de estarem, pelo menos, sentadas numa lata de leite a aprender o ABC, escrevendo em cima do joelho.

Naquele tempo, segundo o mais velho Tunda Boba, eram os pais a trabalhar para garantir o sustento das crianças, mas hoje, ninguém sabe o mal que os adultos fizeram, porque estes estão privados de um trabalho digno para conseguire­m um salário digno para sustentar os seus filhos.

O mais velho Tunda Boba foi longe demais, se calhar com toda razão e verdade, ao dizer que os representa­ntes do povo da Sanzala dos Parentes Mais Pobres são ingratos, porque sabem disso, sabem que as crianças estão a trabalhar contra a vontade pois não querem ver aqueles que lhes meteram no mundo a passar fome, umas, outras pedem esmolas nas portas dos supermerca­dos, mas continuam de bico fechado e se tivessem dor pelas crianças, porque também já o foram, cujos onze compromiss­os estão a ser violados, deviam decretar, se tanto, umas horas de greve de fome defronte ao seu local de trabalho, num dia em que na agenda estivesse em discussão a aprovação de uma Lei.

Membros do Governo da Sanzala dos Parentes Mais Pobres, que ouviram o sermão, assim como os da sociedade civil , também, ficaram de bico fechado.

É isso que fez com que o mais velho Tunda Boba, ainda nervoso, dissesse: “Se querem nos matar, utilizem outras formas, porque com essa, uns vão morrer na primeira esquina, outros na segunda e depois... e depois...e depois não sei o que pode acontecer. Só Deus sabe!”.

Foram palavras que comoveram todos aqueles que escutavam o sermão do mais velho Tunda Boba.

É a verdade verdadeira na Sanzala dos Parentes Mais Pobres.

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