Raízes africanas contadas nas histórias dos vencedores
A adaptação de histórias sobre a cultura africana e o papel da mulher na sociedade tem sido, nos últimos anos, parte do comum no Carnaval do Rio de Janeiro. Este ano, a história do grémio vencedor, o Unidos da Viradouro, é um exemplo desta tendência.
O projectista do grémio, João Torres, o criador das expressivas alegorias que encantaram foliões do mundo inteiro e, acima de tudo, o júri, disse, em declarações ao Jornal de Angola, que o objectivo da Viradouro foi acabar com o preconceito em torno de alguns conceitos religiosos.
O tema do grupo, disse, foi focado no vodu, um culto com origens na religião africana e originou outras, como o candomblé, no Brasil, mas ainda hoje é vista como algo associado à prática do mal. “Há todo um conceito em volta dos mitos sombrios associados à África. É preciso acabar com tais ideias, mostrando o que realmente representam”, adiantou, além de explicar que os bonecos usados no vodu, por exemplo, não são para a prática do mal, como é mostrado, inclusive em grandes produções cinematográficas.
“As pessoas acham que os bonecos são para prática do mal, porém são de cura. O vodu usa a força da natureza e acredita, assim como muitas religiões, em animais protectores, neste caso são as cobras”, esclareceu.
Em relação ao desfile, João Torres destacou ainda o facto de ter chamado atenção a história das mulheres guerreiras de Daomé, que devem ser símbolos para a nova geração feminina. “É preciso que haja referências, em especial africanas, capazes de guiar as mais jovens”, disse.
Para Julinho Fonseca, o actual director de Harmonia da Portela, são as histórias de mulheres vencedoras que vão ajudar a guiar toda uma geração. A trabalhar com a escola há um ano, o director vê na ascensão ao quinto lugar, depois de terem ficado em décimo em 2023, uma chance de continuar a explorar as histórias desconhecidas como a de “Um defeito de cor” sobre todas as mães negras.
“Foi uma tarefa árdua, adaptar um livro, que é actualmente o mais vendido da América Latina. Mas valeu a pena”, disse, acrescentando que a adaptação do livro começou a 1 de Abril do ano passado e foi feita pelos compositores António Gonzaga e André Rodrigues. “Conseguimos vencer as categorias de melhor enredo e samba-enredo, ou seja, foi a melhor adaptação do Carnaval deste ano”.
O director referiu que a história contada por Ana Maria Gonçalves, na qual uma mulher africana idosa vai ao Brasil em busca do filho perdido e ao longo do percurso lembra o sofrimento, a violência e escravatura à qual foram sujeitas milhares de outras mães negras, é um alerta à nova geração para procurar descobrir mais sobre as próprias raízes ancestrais.