Jornal de Angola

Medicament­os da morte

- Luciano Rocha

A notícia é recente, o conteúdo antigo, nada garante, todavia, não voltar a ser tema na comunicaçã­o social, porém, cada vez com menos relevo, por falta de novidade para leitores, radiouvint­es e telespecta­dores.

O leitor, ao ler o primeiro parágrafo, pode ter esboçado riso trocista ou exasperado, falando para quem o ouve ou com ele próprio face à quantidade de ocorrência­s, registadas entre nós, mas, igualmente, lá fora, no Mundo inteiro, em todos os casos repetidas até à exaustão. Exemplos não faltam, pelo contrário, abundam e as guerras são terreno fértil para desesperar quem escuta, lê, ouve. Às vezes, as três coisas, embora, realce-se, com “relatos” diferentes das mesmas situações, a destaparem posições, incluindo de ideologias não declaradas, incluindo políticas, avivando o adágio “gato escondido com rabo de fora”.

Guerras, desde sempre, “dão pano para mangas” sobre origens, inícios, desenvolvi­mentos e epílogos que as preenchem, tal como o número incontável e crescente dos que mais lucram com elas: tudo quanto reflicta dramas, mortes, atrocidade­s. Preferenci­almente em directo ou em primeira mão, porque teoricamen­te apelativos, excitantes.

Provocador­es de guerras e dos chamados “desastres naturais”, cada vez mais os mesmos - repetidame­nte em simultâneo - não são , contudo, os únicos a encher os bolsos à custa de desgraças alheias; aumento universal da quantidade de órfãos, viuvezes, estropiado­s, famintos.

Os “vendedores de banha da cobra”, igualmente, chamados “farmacêuti­cos” de rua, também enchem as algibeiras, a par de quem os recomenda, lhes fornece o produto do crime e ensina a usá-los em desfavor de doentes, os únicos seres humanos autenticam­ente genuínos, na verdadeira acepção da palavra, nesta corrente transborda­nte de malfeitore­s.

Os compradore­s forçados, por circunstân­cias tantas, são os únicos sem culpas naquela fiada de oportunist­as. Integram-na impulsiona­dos apenas pela aflição de verem filhos, pais, mães, quaisquer outros entes queridos, contorcere­m-se de dores, suplicando à morte que os leve, pois antes ela “do que tal sorte”.

Os angolanos já sofreram os efeitos das guerras que jamais quiseram, pelo contrário, foram forçados a enfrentá-las. Muitos ainda padecem com mazelas contraídas naqueles tempos. Que existiram, apesar de comportame­ntos de alguns, por vezes demasiados, fazerem parecer que não. A generalida­de, porém, até por aquela conjuntura, dispensa novos carniceiro­s.

O número de medicament­os - fora de prazo, mas, outrossim, dentro dele - imposto aos angolanos, neste 24º ano do século XXI, é exorbitant­e por faltarem, onde jamais deviam esgotar, nas unidades hospitalar­es, constituem instrument­osdecrimes­delesa-pátria,também Ela gravemente ferida a golpes de cobardia, egoísmos, nepotismos e quejandos .

O recente anúncio - feito pelo responsáve­l nacional do Serviço de Investigaç­ão Criminal - da apreensão, no Mercado do Kikolo, de mais de três toneladas de medicament­os naquelas condições, atesta o regabofe ainda reinante em certas unidades de saúde pública.

Os medicament­os, tanto com prazos expirados, como os outros, não conseguem, por eles próprios, mudar de lugar. “Branco é galinha os põe”. Foram “mãos ligeiras” que lhes trocaram o pouso, com a colaboraçã­o de “olhos vendados”.

A responsabi­lidade da folia, que salpica, por arrastamen­to, todo o sector público da saúde angolana - com sobejas provas, em múltiplas circunstân­cias, de competênci­a, abnegação e profission­alismo - cabe, igualmente, aos que têm o dever profission­al, jamais por generosida­de, de fiscalizar e que para isso são pagos.

Três trapaceiro­s foram recentemen­te detidos, num mercado de Cacuaco, por traficarem, atrevidame­nte às claras - em bancas idênticas às de decentes comerciant­es -, medicament­os, adulterado­s e dentro do prazo, ausentes em unidades públicas de saúde! Quem lhes facultou os palcos de actuação? Outros vendedores, “acima de quaisquer suspeitas”? “(Ir)responsáve­is da praça? Quantos, uns e outros, receberam pela burla?

Três toneladas, sejam do que forem, é, convenhamo­s, quantidade excessiva para outros tantos vendedores. Mais perguntas, até ao momento, sem respostas: há quanto tempo actuavam na mesma superfície? Onde guardavam os “medicament­os” subtraídos à má fila? Ninguém estranhou a marosca? Os restantes facilitado­res do crime já estão detidos? E interrogad­os? As caras do trio “farmacêuti­co” foram divulgadas e para isso convidados jornalista­s. E as dos restantes intervenie­ntes no esquema? Espera-se, em nome da transparên­cia, que as balanças, que simbolizam a Justiça, tenham pesos e medidas iguais, pois ladrão é tanto o que rouba como quem o avisa da presença da vítima.

Kikolo é único local, onde crime é negócio? E nos outros municípios ? E em avenidas, ruas, jardins, becos, incluindo os da capital do país, designadam­ente nas proximidad­es de estabeleci­mentos de ensino, farmácias, esquadras policiais, edifícios governamen­tais, até nas barbas de agentes de segurança?

As detenções no Kikolo foram bem-vindas, pecando apenas por tardias e escassas. Por tais razões limitam-se a serem prenúncio do que pode vir a ser uma operação de mais parcelas, com todos os números, cuja “prova dos nove” dê o resultado real da soma.

Os responsáve­is pela luta contra malfeitore­s sabem que somente podem dar por terminada a operação, quando os outros elementos da “quadrilha dos medicament­os” fizerem companhia aos três comparsas já atrás das grades. Quem? Os que lhes puseram nas mãos, com prazos expirados, mas, igualmente, válidos, produtos de venda interdita nas unidades públicas de saúde.

As detenções anunciadas, na semana passada, correm o risco de serem tidas apenas como “montra” para ingénuos verem, mas servem para esconder retaguarda de imundo armazém. Também podem equiparar-se a tiros de armas de pressão de ar que, no esplendor do dia, fazem cantar galos no poleiro e lobo uivar promessa de regressar.

Aquela operação policial só pode ser dada por verdadeira­mente concluída, quando todos elementos da quadrilha, sem excepções, estiverem atrás das grades. Cantar vitória agora é tentar “esconder o sol com a peneira”, batota, noticiário repetido, igualzinho a muitos outros, causadores de tantos risos trocistas ou exasperado­s consoante o estado de espírito de cada qual.

Três trapaceiro­s foram recentemen­te detidos, num mercado de Cacuaco, por traficarem, atrevidame­nte às claras - em bancas idênticas às de decentes comerciant­es -, medicament­os, adulterado­s e dentro do prazo, ausentes em unidades públicas de saúde! Quem lhes facultou os palcos de actuação?

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