Outras crises com envolvimento externo
A Arábia Saudita redescobriu os seus interesses estratégicos em África, pouco depois da chamada “Primavera Árabe”, em 2011, sobretudo com receios de expansão das zonas de influência do maior rival regional, o Irão. No trabalho “África Subsaariana: um teatro para as lutas pelo poder no Médio Oriente”, publicado em Setembro de 2020, Jens Heibach refere que o engajamento das monarquias do Golfo Pérsico, embora tenha como escopo o desenvolvimento das relações económicas, financeiras e comerciais, envolve, também, a expansão da fé islâmica que, por sua vez, está na origem das dinâmicas políticas e militares por que passam muitos países. “Além de serem mercados de exportação para petróleo bruto e produtos de hidrocarbonetos, a segurança alimentar foi outra razão pela qual alguns estados africanos permaneceram na agenda saudita. Em 2007, o reino — através do Fundo de Desenvolvimento Agrícola — lançou a Iniciativa King Abdallah para Investimentos Agrícolas. Nessa altura, os investimentos agrícolas sauditas já tinham ido para a Etiópia, Quénia, Mali, Níger, Senegal, África do Sul, Sudão, Tanzânia e Uganda. Embora Riade tenha investido grandes somas na construção de infraestruturas educativas, por exemplo, na África Ocidental, bem como na formação de académicos africanos no reino, o factor saudita é apenas um entre muitos responsáveis pelo aumento do jihadismo local”, escreve a investigadora.
Queda de Kadhafi
Após a queda do regime de Muammar Kadhafi, em 2011, o controle político e militar na Líbia entrou em colapso. A luta entre diferentes facções se intensificou em 2014, contexto que motivou o grupo formado, por um lado pela Arábia Saudita, EAU e, por outro, Turquia, Qatar e Irão a estenderem além fronteiras as suas rivalidades.
A campanha foi marcada por muitas implicações estrangeiras, incluindo o apoio da Turquia ao Governo do Acordo Nacional e o apoio dos Emirados Árabes Unidos, do Egipto, da Rússia, da Arábia Saudita ao Exército Nacional Líbio. O embargo de armas imposto pela ONU é violado abertamente e muitos mercenários sírios, russos e sudaneses estão envolvidos nos combates. A intervenção da Turquia na guerra, em Janeiro de 2020, com o envio de drones e milhares de mercenários do Exército Nacional Sírio, no entanto, dava a vantagem ao Governo de Trípoli. Em Junho de 2020, as forças do Exército Nacional Líbio foram completamente expulsas dos arredores de Trípoli.
Riad passou a ver África como uma região de valor estratégico. O reino saudita procura usar o seu potencial para uma ofensiva contra concorrentes, incluindo a Turquia, mas, sobretudo, o Irão. Esta visão estratégica também não se restringe à região do Mar Vermelho. A Arábia Saudita apoiou, no passado, financeiramente a Força Militar Conjunta do Sahel, num desdobramento da coligação mandatada pelo G5 para combater o terrorismo, o crime organizado e o tráfico de seres humanos no Burkina Faso, Mali, Mauritânia, Níger e Tchad. Embora com o apoio da União Africana, o fim último desta empreitada visava combater a influência do Irão. Outros exemplos de competividade envolvendo os dois blocos mencionados, com consequências em África, são a Nigéria, onde Riad tem tentado enfraquecer o Movimento Islâmico financiado por Teerão, no Senegal, onde o reino aumentou o financiamento para mesquitas geridas por salafistas, para contrariar a influência das instituições educativas financiadas pelo Irão, e na África do Sul, onde Riad — tal como na Nigéria e no Senegal — investiu pesadamente na economia do país para perturbar as relações entre a África do Sul e o Irão.
Os países africanos precisam de despertar do actual quadro de competição entre os países e monarquias do Médio Oriente, que transformam regiões de África em palco das suas rivalidades, fomentando conflitos armados.