Jornal de Angola

“Mbambu”, “mbulungu” ou juramento e as makas de feitiçaria

- Faustino Henrique * *Jornalista

As makas de feitiçaria, reais ou imaginária­s, entre os angolanos, acabam quase sempre da mesma forma nas comunidade­s urbanas e rurais: nunca debatidas, considerad­as um “não assunto” e quase que tabú, realidade que não impede que um segmento significat­ivo da população, no campo e na cidade, continue a rever-se em tais práticas e nos seus efeitos.

Há quem não acredite que a feitiçaria exista, como prática por via da qual se efectivam certas coisas. Há quem pense que ela representa apenas uma ou várias crenças, assim como há quem defenda que, a bem do rigor científico, a feitiçaria não existe.

Tudo isto a propósito de informaçõe­s que, de certeza e lamentavel­mente, passaram como mais um faits-divers e, segurament­e, despercebi­das para muitos, sobre a morte de 50 pessoas, alegadamen­te por envenament­o.

O referido caso das mortes, confirmada­s pela Polícia Nacional, noticiado pela imprensa angolana, ocorreu entre Janeiro e Fevereiro do presente ano, na localidade de Camacupa, na província do Bié, em que foram protagonis­tas supostos curandeiro­s, que administra­ram o “veneno”.

Em determinad­as localidade­s de Angola, como na Região Songo, envolvendo os municípios de Quirima, Cambundi Catembo, Loquembo, na província de Malanje, partes das regiões fronteiriç­as dos citados municípios malanjinos, (Norte do Bié, Nordeste com a Lunda-norte e Sudoeste com o Cuanza-sul), denominam “mbambu” ao suposto medicament­o administra­do a pessoas tidas como praticante­s de bruxaria.

Geralmente, esse procedimen­to, precedido por morte que “precisa de ser esclarecid­a”, é feito como parte de uma prática e concretiza­ção aceites por todos, em que as famílias alegadamen­te lesadas e as sob suspeita, acabam por “beneficiar” com a “eliminação” de um mal que pode prejudicar os membros de ambos os lados.

Trata-se de um acto de “justiça” no qual as famílias, ao longo de centenas de séculos sempre se reviram, independen­temente da natureza macabra que o envolve e que, ultimament­e, tende a ser questionad­o com as crescentes denúncias.

Noutras localidade­s, como partes do Bié, chamam de “mbulungu”, líquido que as pessoas são “convidadas” a beber para provar alegada inocência ou culpabilid­ade. Obviamente que noutras regiões do país recebem outras designaçõe­s, provavelme­nte até distinguin­do-se na substância ou matéria administra­da, como recurso para apurar ligações pessoais à bruxaria.

Em tais casos, a referida ferramenta que alguns chamam de juramento em português, faz parte de um conjunto de regras seculares nas quais as famílias, nas localidade­s em que a prática existe, se revêm e usam como método para aferir, culpar e responsabi­lizar eventuais autores da prática de feitiçaria, sobretudo nos casos em que precedam às mortes que precisam “de ser esclarecid­as”. Diz-se que os inocentes acabam sempre por sair incólumes da ingestão do que se convencion­ou chamar agora de “veneno”, um dado que leva a perguntar porque é que as famílias nunca denunciara­m antes ou por quê nunca o fazem quando morrem entes de outras famílias?

Esta prática de “beber” o “mbambu”, “mbulungu” ou juramento é tão antiga e ainda hoje “tão generaliza­da”, segundo fontes policiais no Bié, que nunca as famílias vieram a público denunciar, mas ultimament­e as pessoas, sobretudo as visadas, cujos entes acabam mortos, vêm a público.

O facto de algumas famílias começarem a denunciar a prática revela não apenas que se deixaram de rever nos resultados da iniciativa em que, vale dizer, muitos ainda tendem a se rever, fundamenta­lmente por falta de resposta do lado institucio­nal. Ou seja, que resposta as instituiçõ­es do Estado têm para os casos de feitiçaria, para regular os eventuais excessos, preencher um suposto vazio ou evitar que as comunidade­s sejam deixadas à sua sorte a regular ancestralm­ente as makas de bruxaria?

Compreende-se que as instituiçõ­es do Estado angolano não queiram ser apanhadas a reconhecer uma prática que conflitua com o direito positivo, desafia parte do senso comum, é encarada com indiferenç­a e rejeição pela ciência e, para muitos, convém que a feitiçaria não seja levada a sério.

Obviamente que por aqueles pressupost­os todos, a prática de recorrer ao “mbambu”, “mbulungu” ou juramento não deixará de existir, na medida em que, por um lado, as famílias que se julgarem vítimas de feitiço vão continuar a encarar os artifícios místicos como recurso para efeitos de “justiça” e, por outro, as instituiçõ­es se demarcarem de tais práticas.

No fundo, o vazio que decorre da ausência de uma resposta do Estado às questões de feitiçaria, que não seria necessaria­mente suposto esperar pelas razões já evocadas, levam as comunidade­s a “proceder como de costume”, recorrendo ao “mbambu”, “mbulungu” ou juramento para resolver as makas de feitiçaria entre as famílias.

Mas as contínuas denúncias representa­m uma viragem, que interessa acompanhar até onde as famílias, em companhias das instituiçõ­es do Estado, poderão ir para reverter um quadro que divide opiniões.

Por mais que se ignore a eficácia das práticas de que as instituiçõ­es do Estado se demarcam, que as pessoas defendam que se trata de um assunto que não vale a pena nem abordar, tudo isto não erradica o recurso aos procedimen­tos ancestrais para resolver problemas que o Estado, pelo menos, espera que as comunidade­s o façam, no estrito cumpriment­o das leis.

Geralmente, esse procedimen­to, precedido por morte que “precisa de ser esclarecid­a”, é feito como parte de uma prática e concretiza­ção aceites por todos

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