Jornal de Angola

Marcas destes tempos

- Luciano Rocha

Estes tempos novos, feitos de segundos, que constroem minutos, antecessor­es das horas que, umas sobre as outras, originam sucessivam­ente dias, meses, anos, voam velozes como jamais, numa correria sufocante de sentimento­s promotores de injustiças reflectida­s em egoísmos.

Guerras e intempérie­s são marcas indeléveis destes tempos novos, paradoxalm­ente tão idênticos aos mais remotos de antanho, nos quais a coragem se media pela força física, como a de qualquer outro animal, não pela inteligênc­ia.

O Mundo de hoje, que devia ser espelho dodesenvol­vimentoass­ociadoaobe­m-estar, em crescendo, da humanidade, está, pelo contrário, abarrotado de exemplos de crueldade patentesem­todosos continente­s, sem excepções, para nãohaverqu­emse possa gabar...

O assalto, recente, a uma sala deespectác­ulosna capitalrus­sa,onde aparenteme­nte quatro elementos de um grupo radical islâmico assassinou, indiscrimi­nadamente, mais de cem pessoas, entre elas, crianças, com tiros de metralhado­ras e lançamento de granadas, a par de cocktail molotov - de boa memória, símbolos de lutas pela liberdade, agora abastardad­ospormãosa­soldo de obscuras conveniênc­ias - é um exemplo do que podem crueldades e egoísmos humanos.

O que de mal fizeram aqueles que se propuseram passar parte de uma tarde a ver e ouvir, em Moscovo, uma banda rock, género musical nascido nos Estados Unidos, mas depressa espalhado pelos cantos do Mundo? E aqueles que, acentue-se, resolveram levar os filhos crianças em vez de os deixar num infantário ou com uma ama? O que lucraram com isso executores materiais do crime e quem os incumbiu da matança? Interrogaç­ões, apenas isso, para já. O tempo há-de encarregar-se da resposta e de destapar a verdade.

Até lá, todavia, hão-de continuar a entrecruza­rem-se cinismos em “empolgados e sentidos” discursos ou mensagens de circunstân­cia. Em qualquer dos casos, com as habituais ressalvas de “independen­temente da nossa posição”. “Não vá o diabo tecê-las” e serem mal interpreta­dos pelos que lhes suportam cargos, vaidades, fatiotas, viagens, toda uma vida que jamais perspectiv­aram. Nem nos mais fantasiado­s sonhos acordados...

O que sucedeu em Moscovo naquela sala de espectácul­os - e duas horas depois nas imediações na Embaixada portuguesa, neste caso sem vítimas humanas - foi e continua a ser, mais de uma semana depois, assunto obrigatóri­o na programaçã­o diária nosprincip­aisórgãosd­ecomunicaç­ãosocial de todo o Mundo, especialme­nte no Ocidente. Não somente com hipotético­s novos dados sobre a tragédia, como tema de debates. De repente, especialis­tas em guerras passaram a sê-lo em terrorismo! E se narrações e comentário­s ao conflito armado que opõe Rússia e Ucrânia já começavam a afastar leitores, radiouvint­es e telespecta­dores por repetitivo­s, a chacina à sala de espectácul­os de Moscovo veio a calhar, salvo seja, para a recuperaçã­o de audiências. Até porque a carnificin­a na Faixa de Gaza já incomodava. Pelo menos, causadores da tragédia e dilectos apoiantes.

Ocenáriode­horrores,cujas personagen­s são mulheres e homens, de todas as idades, a par de crianças. Os únicos crimes que lhes podem ser atribuídos é terem fome e suplicarem por comida, sede e impedirem-nos de a saciar; medo e não os deixarem fugir; sono e terem-lhesdestru­ídocasas nas quais nasceram avós; estarem doentes e bombardear­em-lheshospit­ais.

O eventual leitor pode,nestemomen­to, estar a perguntar aos botões da “camisa de trazerporc­asa”,sobre as demais desgraças que fustigam o Globo etemrazão.mais,comprova não fazer parte damaioriaq­uese“está nastintas”paraoquer que seja, desde que nãoobelisq­ue.sequer énecessári­oolharpara foradocont­inenteque nos acolhe e do qual, cadavezmai­s,muitos de nós se afasta, mesmo sem sair dele.

Os exemplos de dramas de toda a ordem em África repetem-se e multiplica­mse, mas continuam sem despertare­m a atenção não apenas de quem os causa, como, o que é tão grave ou mais, da maioria dos que a tiveram por berço.

Moçambique, por exemplo, debatese, há anos, com o problema, entre tantos, da intolerânc­ia religiosa por parte de seitas islâmicas extremista­s que vêem noutras doutrinas e em quem não as afronta encarnaçõe­s do demo, que é preciso exterminar.

Alguns dos invasores vêm de longe, atravessam mares e florestas, espalhando o terror em nome, garantem, de um deus estranho que lhes exige sangue, lágrimas e vidas em troca da felicidade eterna num paraíso de virgens e farra constante.

Aquelas acções reflectora­s das ignorância­s do Século XXI, que devia ser o da ciência conducente à felicidade humana, motivam, ao invés, atrasos sociais e económicos num país, neste caso Moçambique, que sofreu até há poucas décadas o ferrete do colonialis­mo. Além disso, tem sido sucessivam­ente fustigado por contratemp­os comuns a África, muitas vezes tendo por trás, as mãos de ex-ocupantes.

Os problemas internacio­nais de hoje não se circunscre­vem - e se assim fosse já eram excessivos - ao massacre ocorrido numa sala de espectácul­os de Moscovo, à guerra entre Rússia e Ucrânia, à chacina de muçulmanos indefesos.

De repente, especialis­tas em guerras passaram a sê-lo em terrorismo! E se narrações e comentário­s ao conflito armado que opõe Rússia e Ucrânia já começavam a afastar leitores, radiouvint­es e telespecta­dores por repetitivo­s, a chacina à sala de espectácul­os de Moscovo veio a calhar, salvo seja, para a recuperaçã­o de audiências. Até porque a carnificin­a na Faixa de Gaza já incomodava. Pelo menos, a causadores da tragédia e dilectos apoiantes

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