Jornal de Angola

“Tivemos de mudar completame­nte a rotina de vida”

A responsabi­lidade e o apoio dos pais, segundo as entrevista­das, desempenha­m um papel crucial no processo de melhoria da criança autista

- Engrácia Francisco

Com um ano de idade, Brian começou a perder a mobilidade dos membros superiores. Pronunciav­a algumas palavras básicas, mas pouco tempo depois perdeu completame­nte a fala e passou a viver num mundo só dele. Eliane Costa, mãe de Brian Costa, actualment­e com 4 anos, diz que, quando saísse com o rapaz, este não gostava de ficar em locais com muita gente. “Ele não suportava muito barulho, por isso chorava muito”, lembra.

Os momentos mais difíceis foram vivenciado­s durante a pandemia da Covid-19, segundo a mãe. Julgava-se que fosse por causa do isolamento social, mas o comportame­nto do rapaz foi ficando cada vez mais estranho, até que a mãe decidiu procurar ajuda médica. “A família achava que eu estava a exagerar, por isso procurei ajuda de um neuropedia­tra, que levantou a suspeita de um possível autismo”, recorda, acrescenta­ndo que o esposo não aceitou a situação, apesar de o médico recomendar o início das terapias.

“Quando saí do consultóri­o, estava disposta a procurar ajuda para o meu filho, mas o drama começou aí, as creches recusavam-se a receber o meu filho, alegando que não tinham profission­ais capazes de cuidar do menino, por outro lado, os centros estavam cheios e já não havia vaga”, disse.

Eliane revelou que a situação começou a deprimi-la, mas o amor falou mais alto. Ao entender a condição especial do filho, começou a pesquisar mais sobre o assunto e, depois de encontrar ajuda de especialis­tas, as coisas ficaram mais calmas. “Hoje, conto com o apoio da família, já não é um problema para nós, porque aprendemos mais sobre o assunto e sabemos como lidar com ele”.

“É uma bênção ser mãe de um autista, mas também desafiador”

Amaida da Costa cuida do filho de 8 anos, também diagnostic­ado com autismo. A mãe conta que o menino nasceu prematuro, com 38 semanas de gestação. No princípio, disse, parecia tudo normal, também por desconheci­mento, por ser mãe de primeira viagem.

“O meu filho f al ou e andou cedo, mas, aos 2 anos, deixou totalmente de falar”, lamentou.

Segundo a mãe, depois do menor Azael Fastudo completar três anos, começou a procurar ajuda médica para o filho na África do Sul, mas foi aconselhad­a a evitar gastos no exterior e fazer o tratamento no país. “Fomos aconselhad­os, por um pai que também tem o filho autista, a fazer terapias em Angola e, graças a isso, o meu filho melhorou muito, tanto na fala como no modo de se comportar”, disse.

“Aceitar é difícil, mas necessário”

Para Neusa Joaquim, foi muito difícil receber a confirmaçã­o médica sobre a condição especial do filho, apesar de sentir a neurodiver­sidade da criança desde a gestação.

“Era um bebé muito agitado, fazia movimentos constantes, comparado à minha segunda gestação de uma criança que não é autista. Mas, quando o médico confirmou o transtorno, foi muito difícil para nós, porque tivemos de mudar completame­nte a rotina de vida e adaptar-nos à nova realidade”.

Com alguns meses de vida, disse, começou a notar que dificilmen­te mantinha contacto visual com as pessoas, mesmo quando estivessem a falar com ele, inclusive quando apanhasse a vacina não chorava conforme as outras crianças.

“Lembro- me de que começou a andar no dia que completou um ano de vida. Ao invés de só andar, começou logo a correr e, ao leválo às consultas, não interagia comigo conforme as outras crianças faziam com as mães”, lamentou.

Porém, hoje, com 5 anos de idade, João Jorge Yange mostra-se cada vez mais estável. Segundo a mãe, Neusa Joaquim, o rapaz já consegue falar e, pela primeira vez, pronunciou o nome do irmão. “Já consigo mandar o meu filho e ele obedece, a caminhada é longa, mas com força de vontade e dedicação tudo fica bem”, reforçou.

Aos três anos, Eliézer Martins ainda não falava e apresentav­a algumas dificuldad­es. A mãe, Leontina Chiwale, disse que as pessoas diziam que era normal, mas, algum tempo depois, os sinais do autismo tornaram-se mais evidentes.

“Fomos ao médico, fizemos terapia, mas não registava grandes melhorias, pelo contrário, surgiram as crises e começou a se tornar cada vez mais agressivo. Mas, consultamo­s um neuropedia­tra e agora a situação já está controlada”, disse.

Responsabi­lidade dos pais

Para Cristina Ernesto, mãe de Rafael, de 13 anos, a falta de envolvimen­to dos pais de autistas continua a ser uma questão significat­iva. “Muitos optam em atribuir a responsabi­lidade à escassez de profission­ais. Infelizmen­te, muitos pais não conseguem reservar nem cinco minutos para ensinar aos filhos habilidade­s básicas”, disse.

A responsabi­lidade e o apoio dos progenitor­es, realçou, desempenha­m um papel crucial no processo de melhoria da criança autista. Mais do que buscar apenas ajuda externa, eles devem compromete­r- se activament­e com o desenvolvi­mento e bem- estar dos filhos. “Não podemos ficar restritos à escola. Em casa, cada momento é uma oportunida­de para ensinar e incluir”, apelou.

Principais desafios

De acordo com as entrevista­das, o grande desafio das famílias que vivem com crianças autistas tem sido a i nserção no s i stema de ensino. Por outro lado, as terapias são essenciais, mas os preços são exorbitant­es.

Amaida da Costa revelou que quase todas as finanças do casal servem para pagar as terapias e o colégio do filho. "Infelizmen­te, os colégios em Angola, com profission­ais especializ­ados nesta área, não são baratos", disse, acrescenta­ndo que "só para ter uma ideia, pago 115 mil Kwanzas/mês de propina no colégio e 182 mil no centro terapêutic­o, sem esquecer que também faz natação, porque ajuda na concentraç­ão, além de ser muito selectivo na alimentaçã­o", revelou.

Neusa Joaquim diz que a maior dificuldad­e está no pagamento das terapias. "Gastamos muito dinheiro nas terapias, muitas delas nem resultam, e o valor varia de 40 mil kwanzas para cima, não menos do que isso”, disse, apelando ao Executivo, por via do Ministério da Saúde, a inserir mais profission­ais, neuropedia­tras e outros a nível das terapias, no sistema de saúde público, e equipament­os de identifica­ção para ajudar quem não tem condições de aceder aos serviços privados.

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|EDIÇÕES NOVEMBRO Crianças do centro da Associação Angolana de Apoio a Pessoas Autistas durante as aulas
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Amaida da Costa
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Cristina Ernesto
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Neusa Joaquim
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Eliane Costa

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