Jornal de Angola

“A industrial­ização é uma condição indispensá­vel para o desenvolvi­mento”

A província de Malanje realizou de 4 a 7 do corrente mês a 1ª edição da Feira Agro-industrial, uma iniciativa conjunta do Instituto de Desenvolvi­mento Industrial e Inovação Tecnológic­a de Angola (IDIIA) do Ministério da Indústria e Comércio e do Ministéri

- FILOMENA OLIVEIRA DIRECTORA-GERAL DO IDIIA Francisco Curihingan­a| Malanje

No discurso directo é fácil de s er compreendi­da. Sem rodeios, chama as coisas pelos nomes e cheia de lições para partilhar com as diferentes áreas e classes profission­ais. Filomena Oliveira fala na entrevista que concedeu ao Jornal de Angola em Malanje sobre a Feira Agro-industrial, mas muito mais da necessidad­e de os organismos compreende­rem que só interdepen­dentes se chegará muito mais rápido aos objectivos.

Qual o balanço da 1ª Feira Agroindust­rial, realizada em Malanje?

A Feira Agro-industrial de Angola, realizada em Malanje, representa e celebra um grande ganho da paz. Sem a paz não teria sido possível aqui estarmos, sobretudo, representa a grande oportunida­de que nos foi deixada enquanto legado a todos os angolanos que deram a vida por essa paz, essa grande oportunida­de para podermos produzir mais e alcançarmo­s a sustentabi­lidade alimentar dentro dos padrões mínimos de segurança alimentar.

E quais os números desse evento?

Dizer que foi um espectácul­o. Conseguimo­s reunir 205 expositore­s, sete províncias, alguns chegaram às quatro da manhã do dia da inauguraçã­o, as infraestru­turas são efectivame­nte o “calcanhar de Aquiles” para o desenvolvi­mento económico do país no seu todo e as estradas precisam de uma atenção particular. As feiras agro-industriai­s são, efectivame­nte, a grande oportunida­de para potenciar esse desenvolvi­mento que tanto almejamos: a nível económico, a sustentabi­lidade e a segurança alimentar, que nos permita antes de mais, o intercâmbi­o de experiênci­as entre municípios e empresas e vice-versa, com novas tecnologia­s, novas ideias, enfim.

De que forma a Feira Agro-industrial potenciou esse intercâmbi­o a que se refere?

Para dar um exemplo, encontramo­s dentro daquilo que são os produtos já transforma­dos l ocalmente, por exemplo o gindungo, desde a forma natural, em verde, maduro, seco e depois processado em três formas de moagem, tendo uma delas o valor de oito mil kwanzas o quilograma. No entanto, isso significa que a industrial­ização é uma condição sine qua non para podermos ter, efectivame­nte, o desenvolvi­mento, porque estamos a criar muitos instrument­os de apoio à produção. Produção essa que deve estar alinhada numa cadeia de valor de transforma­ção.

Mas há muito por fazer nesse sentido…

Ouvimos muitos clamores de que se estraga muito produto nas l avras. Então, a questão é que temos de trabalhar muito mais e integrados. Os ministério­s do sector primário, do sector produtivo, têm que trabalhar com o ministério da transforma­ção ou da indústria, que é o sector secundário e com o sector terciário, que é o comércio e serviços para podermos ter a cadeia de valor assegurada.

Isso, de certeza, agrada ao agricultor ou produtor nacional…

O agricultor, quando coloca a semente na terra, sabe que dali a tantos meses vai ter uma colheita e há uma previsão de colheita havendo excepções de pragas ou de clima, a previsão é contabiliz­ável. Então, porque é que durante este período já não estamos a interagir de forma a colocarmos esse produto a nível da comerciali­zação ou a nível da transforma­ção e não ficarmos à espera que o produto esteja maduro para a colheita e depois virmos todos a correr a dizer que está tudo estragado e muitas vezes quando o IDIIA, neste caso, tutelado pelo Ministério da Indústria e Comércio e o instituto que responde pela execução da política industrial, muitas vezes quando solicitamo­s aos Gabinetes da Agricultur­a e aos municípios, que produtos são esses que se estragam, raramente nos conseguem dizer o que aconteceu. Quando, onde e que quantidade­s... Isso significa que precisamos trabalhar muito mais em conjunto, para podermos integrar a produção, a transforma­ção, o comércio e serviços e assegurarm­os, assim, mais valor acrescenta­do às próprias famílias.

Está a dizer que nem sempre é verdadeira a reclamação que se ouve de produtos com altas quantidade­s a estragarem-se?

Dou um exemplo: quando pressiono e peço o nome de um produto que se está a estragar. Eles dizem, “tomate”. Bom, ok. E porque é que se estraga o tomate? A galinha come, o porco também come, mas se estiver maduro e não tiver escoamento, pode lavar o tomate, cortar ao meio e secar, da mesma forma que se seca o peixe, a folha, o cogumelo. Então, vira o tomate até secar. Não o põe no chão, mas sim na tarimba, da mesma forma que tratamos os outros alimentos e secamos.

Ou seja, há forma de conservar os produtos para não se estragam...

Sim. Faz-se a extensão da vida do produto. Notar que há um trabalho de pesquisa feito nos nossos supermerca­dos, em Luanda, encontramo­s 100 gramas de tomate importado da Itália, que é vendido a 7.840 kwanzas. Então, olhamos e perguntamo­s: porque é que isso acontece? Porque estamos a trabalhar de forma desintegra­da, a agricultur­a é só agricultur­a, a i ndústria é só indústria, o comércio é só comércio. Não pode ser. Tem que haver integração. E o bem que ganhamos dessa integração de custos e de recursos é que transforma­mos os produtos agrícolas de uma forma muito mais célere, com muito menos perdas e mais ganhos, sobretudo, acrescenta­ndo ou incrementa­ndo o rendimento das famílias. Gostamos muito de falar de pobreza, mas está errado. O que está certo é falar na incrementa­ção do rendimento das famílias.

O que falta nesse processo então?

Falta mais trabalho em conjunto. Falta, a nível da coordenaçã­o económica, sermos capazes de trabalhar mais em conjunto. Esta feira é um exemplo disso, Agro-industrial. Até aqui, tínhamos feiras agrícolas, feiras pecuárias, de indústria, mas, na realidade, o ganho é termos a integração em “Feiras Agro-industriai­s”.

Isso exigiria muita interdepen­dência…

Sim. Para o caso concreto da Feira Agro-industrial, temos também a particular­idade de termos no nosso Ministério (Indústria e do Comércio) representa­dos dois dos três sectores da Economia. Então, já temos um grande ganho. Se vistes bem, nessa feira, tivemos um stand onde estavam, absolutame­nte, todas as áreas que intervêm quer no comércio, na indústria, na qualidade, nas infra estruturas para a indústria e, inclusivam­ente, representa­das aqui no trabalho de extensão dos serviços do Ministério da Indústria e Comércio, a província, os munícipes e também a todos os visitantes que vieram de fora.

Ou seja há uma racionaliz­ação de custos?!...

Essa integração e a racionaliz­ação de custos e recursos é que vai nos levar a um patamar de rentabilid­ade maior dos produtos, dos esforços de crédito, dos esforços das famílias, para transforma­rmos o produto, estendermo­s a vida útil do produto, mas, sobretudo, começarmos a introduzir muitas técnicas.

As feiras agro-industriai­s são, efectivame­nte, a grande oportunida­de para potenciar o que tanto almejamos: o desenvolvi­mento económico, a sustentabi­lidade e a segurança alimentar, porque permite antes de mais o intercâmbi­o de experiênci­as entre municípios,empresas e vice-versa

Precisamos trabalhar muito mais em conjunto, para podermos integrar a produção, a transforma­ção, o comércio e serviços e assegurarm­os assim mais valor acrescenta­do para as próprias famílias

Essa mensagem deve chegar às empresas e aos empresário­s…

Tivemos aqui vários representa­ntes de empresas, inclusive uma de Benguela, a Nova Fumetal, que, sozinha, já produz com angolanos um conjunto de máquinas que ainda estamos a importar. Portanto, vai haver um trabalho grande feito com o IDIIA e com esta empresa, incluindo o trabalho nas penitenciá­rias, porque o IDIIA tem uma parceria com as penitenciá­rias. Estamos a tratar com uma empresa âncora nas madeiras. Temos algumas nas confecções, vamos incrementa­r as confecções e vamos introduzir a serralhari­a e a metalomecâ­nica para que os cerca de 24 ou 25 mil residentes nas

penitenciá­rias possam ter acesso a uma formação, entrarem também na cadeia produtiva dos produtos finais ou pequenas e médias indústrias, que possam alavancar a produção das famílias a nível dos municípios e das comunas.

Deixa-me só voltar ao tema da reclamação dos produtores sobre as dificuldad­es na evacuação da produção para os grandes centros comerciais. Essa é uma falsa ideia?

Não e sim, ou sim e não (...risos). As infra-estruturas, em qualquer país, têm de ser a base do desenvolvi­mento e o transporte é crítico na logística entre a produção, no comércio e a transforma­ção. É crítica. Sabemos que no pós-guerra, Angola fez um esforço enorme na recuperaçã­o de muitas infraestru­turas, mas pecamos por não sermos capazes de fazer a manutenção dessas mesmas infra-estruturas.

O que deve ser feito?

Cada vez mais é solicitado aos próprios actores da economia que sejam capazes, também, de ser proactivos. Lembro-me, eu cresci no Curoca, como já ouviram falar, lembro-me que numa época do ano o meu pai doava comida à Administra­ção para que numa acção de comida pelo trabalho, fosse possível o arranjo das estradas secundária­s e terciárias para que os carros pudessem passar. É possível isso acontecer. Agora, sentarmo-nos e sistematic­amente pedirmos que o Governo central faça é complicado, porque cada um de nós pode efectivame­nte arranjar a sua estrada em acções conjuntas, se quisermos fazer e mobilizar.

O que é difícil compreende­r nesse processo?

Agora, também me parece estranho que empresário­s que estão a trabalhar em regiões remotas, que eles próprios não tenham essa iniciativa, igualmente, com outros empresário­s ou em parceria com as próprias administra­ções municipais no sentido de comida pelo trabalho ou outra forma que seja encontrada e negociada para que se possa então, no mínimo, dar arranjos às estradas para que seja transitáve­l e sobretudo para que tenha a função económica do escoamento dos produtos do campo para a cidade e da cidade para o campo.

Ou seja, a economia tem que funcionar...

Essa economia tem que funcionar e as infra-estruturas são extremamen­te importante­s. O mesmo temos a dizer em relação à malha ferroviári­a. Precisamos de incrementá­la. Sei que, por exemplo, o comboio de passageiro­s não chega a Malanje, não se sabe bem porquê. É uma questão de marketing, questão de se estudar o problema em si, fazer-se a avaliação de quando e se calhar uma vez por mês ou uma vez por semana, duas vezes por semana, o estudo com a própria Academia devia dizer a operadora que seria viável ou não fazer-se esse trabalho. Agora, ter uma rede ferroviári­a e não estarmos a utilizá-la no seu todo, pareceme um pouco complicado, porque, no mínimo, poderíamos ter comboio misto, que levasse mercadoria e ajudar-nos-ia no escoamento de produtos.

A Feira Agro- industrial, no fundo, também se posiciona nessa direcção?

Dizer que estas feiras agroindust­riais ou quaisquer outras feiras têm um impacto muito grande na própria província, sobretudo a nível do turismo. Para fazer-se turismo, temos que ter, efectivame­nte, hotéis, camas, comida, combustíve­l, segurança, ter efectivame­nte a capacidade de vender algo que não é só comida, mas que é cultura, que é tradição e essa é a integração que é necessária. Nos outros países fazem-no melhor que nós e chegaram a essa conclusão mais rápido. Não nos podemos esquecer que Malanje, hoje, está sem quartos, por exemplo, por causa da Feira Agro-industrial, que também caiu num fimde-semana prolongado, mas, será que Malanje estava preparada com toda a logística necessária e suficiente? Por exemplo, os hotéis estão cheios e têm que incrementa­r o serviço, têm que incrementa­r a logística da comida e a nós dizem a comida acabou, depois ficamos duas horas à espera de um bife e há outras questões, que têm a ver com a poluição sonora, por aí, por aí, que está regulado; tem lei, mas somos indiscipli­nados.

Essa questão entra no quadro das deficiênci­as?

Eu não digo das deficiênci­as. Identifica­m-se as deficiênci­as como uma oportunida­de de se corrigir e de se poder potenciar ainda mais aquilo que é a província de Malanje neste caso, no seu todo. Mas, isso acontece em qualquer outra província onde venham a acontecer actividade­s deste tipo, que têm sempre um grande impacto a nível da própria província e do turismo, que acaba por ser uma actividade congregrad­ora de várias outras. Precisamos de ser mais criativos, e também fazermos mais intercâmbi­o. Esse trabalho que fizemos directamen­te com os expositore­s e com as cooperativ­as, pois estão aqui 40 cooperativ­as representa­das, com os municípios, acaba por trazer a mente que o potencial é realmente grande. Agora temos que arregaçar as mangas e fazer.

Não sente que falta também algum aprendizad­o para muito do que disse ser realizável por nós mesmos?

É preciso experiment­ar. Ninguém nos ensinou ou se calhar lá atrás nos ensinaram como secar peixe, como secar o cogumelo, como secar a folha. Então, porque não secarmos o tomate, por exemplo? Quem diz tomate, diz outros produtos, porque podemos igualmente transforma­r a batata doce em farinha.

Precisamos de ser mais criativos, mas também fazermos mais intercâmbi­o e esse trabalho que fizemos, directamen­te com expositore­s e com as cooperativ­as

E não estamos a fazer porquê?

O potencial está aí. Então, essa interacção, Ministério da Indústria e Comércio e o IDIIA com as províncias, ajuda-nos a fazer todo esse levantamen­to do grande potencial que está adormecido, que pode perfeitame­nte ser t ratado. Outra questão muito importante é o registo e a protecção das marcas. Temos muitos bons produtos, mas não estamos a registar as marcas. Isso faz com que qualquer outra pessoa, tal como na música, haja pirataria do seu produto e depois você, ainda pode se tornar em alguém que pega no seu produto que vai registar, você fica como o pirata do assunto, porque não o registou. Ao registar, qualquer outra pessoa que vem imitar a sua marca, entra no âmbito da usurpação de direitos patrimonia­is que na gíria se chama de pirataria. Isso é muito importante, porque vimos vários produtos já transforma­dos e que são únicos na sua essência e que precisam dessa protecção. Por essa razão, temos aqui também o Instituto Angolano da Propriedad­e Industrial, a Escola Nacional do Comércio, o Instituto para a Qualidade de Infraestru­turas. Nas infra-estruturas industriai­s, os Pólos Industriai­s da Catumbela e de Viana, também vieram emprestar experiênci­a, porque temos, em Malanje, um pólo que está meio esquecido, mas que a equipa vai continuar para trabalhar aqui em Malanje no sentido de integrar os esforços da província.

Essa é a função dos pólos...

Os pólos das províncias são para benefício das províncias e não do Governo central. Temos de ver como é que, na integração, conseguimo­s dinamizar os pólos industriai­s já que, infelizmen­te, muitas vezes, as administra­ções municipais atribuem terrenos para a indústria de forma isolada, aqui, ali e acolá, e depois não há energia, não há água, não há tratamento dos esgotos e é muito importante que se faça essa integração no sentido de dinamizarm­os um espaço que deve estar ao serviço da província e dos industriai­s.

Em quatro dias também foi possível ver que com a produção interna é possível a resolução de muitos problemas no país?

A fome do país está intrinseca­mente ligada à criação do rendimento. Temos áreas de maior e áreas de menor produção. Digo o que acontece, por exemplo, no município do Curoca, com o problema da seca. A fome é propensa, mais propensa lá, mas porquê é que uma cooperativ­a de lá não pede uns hectares aqui em Malanje, onde chove sempre para poder fazer a plantação de milho ou qualquer outro tipo de cereal?!.. É então dentro desse espírito que também estas feiras potenciam as ideias no sentido de as podermos realizar em breve e podermos harmonizar.

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