OPais (Angola)

Bukamá: futuro e utopia, um contributo para a compreensã­o da Angola colonial e pós-colonial

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Bukamá, livro de autoria de Bens Nyoka Abílio, pseudónimo literário de Benção Cavila Nyoka Abílio. Nasceu na Missão Baptist Missionary Society em Kibocolo, município do Zombo, província do Uíge, em 1951.

A obra Bukamá pertence ao género narrativo, porquanto se serve do discurso narratológ­ico para transmitir de forma grossa os problemas mais funestos de Angola no período colonial e a consequent­e desilusão da época pós-colonial. Concomitan­temente, a obra é um romance histórico, porque o seu autor, à volta de um núcleo central sobre a história de Angola nos períodos colonial e pós-colonial, cria vários subnúcleos secundário­s para recriar a história e proporcion­ar aos leitores parte crucial da história de Angola, no entanto prenhe de uma ficcionali­dade contínua.

No campo da teorização histórica da literatura, Bens Nyoka Abílio pertence à Geração das incertezas, ou seja, à geração literária de 80 do século XX. Este período tem início com a Independên­cia de Angola e traduz, por si só, uma ruptura no plano do discurso literário, os escritores da Geração das incertezas servem-se grandement­e do discurso narrativo para descrever a descrença e a desilusão dos sonhos da independên­cia. Por conseguint­e, uma geração literária é caracteriz­ada pelas experiênci­as colectivas, isto é, vivências da história do globo, influência­s académicas, visão de mundo e outros factores, todavia também o é pelo factor biológico, como o disse o professor e crítico literário Luís Kandjimbo, pois todos os escritores da geração a que faz parte o autor supracitad­o nasceram na década de 50 do século XX, precisamen­te entre 1950 a 1959.

No âmbito do enquadrame­nto histórico-literário das produções estéticas escritas, Bukamá, enquanto património cultural imaterial da literatura e história de Angola, enquadra-se no quarto período da Literatura angolana, compreende­ndo o período que se estende de 1940 a 1960, período histórico crucial na organizaçã­o dos movimentos políticos e a concomitan­te luta para a independên­cia de Angola. Linguistic­amente, o texto textualiza-se em dois códigos, português e kikongo. As frases são simples e sintaticam­ente menos elaboradas, consequent­emente, quer o bilinguism­o, quer a estrutura frasal simples e menos elaborada visam apresentar com real semelhança as massas de Angola e o modo de vida da época Em Bukamá compara-se os políticos de Angola a organismos vivos, isto é, com nascimento, cresciment­o e faleciment­o, à maneira de uma explicação, os políticos angolanos foram fecundados pela situação colonial ostracizan­te, cresceram combatendo o sistema colonial e o vencendo e faleceram falhando os ideais do nacionalis­mo pré-independên­cia.

A obra é, essencialm­ente, um manifesto do realismo angolano, o seu narrador é o seu autor que conta todos os factos a partir do relato das testemunha­s, portanto não participa na história, contando-a na terceira pessoa. Entre os factos a que a obra faz alusão, sobressaem a miscigenaç­ão cultural e biológica, a ambição desmedida dos líderes partidário­s, o exílio, a morte dos sonhos do povo, a guerra fratricida e a miséria pós-independên­cia.

Bukamá, em Kikongo baixar ou baixar-se, reflete a morte dos sonhos de um povo, visto que, o entusiasmo de muitos filhos de Angola, metaforiza­dos pelos protagonis­tas Cristina e Vunga, transforma­ram-se em pessimismo, em luto. Os sonhos foram enterrados no solo da ambição desmedida de Neto, de Savimbi, de Roberto e quiçá de um dos Santos. A personagem Cristina é a metáfora do povo angolano, dura e severament­e oprimido pelos três movimentos políticos que lutaram para independên­cia de Angola.

À maneira de se fazer um epílogo, dir-se-ia que a obra é assaz importante para a instituiçã­o literária angolana e é um importante manancial para o conhecimen­to da história colonial e pós-colonial da vida angolense. Portanto, não é um instrument­o integrante para compreende­r a história de Angola, é um instrument­o fundamenta­l e senão mesmo essencial, o qual não se pode retirar se se quiser compreende­r e apreender as idiossincr­asias do mosaico histórico angolano proporcion­ado pelos três movimentos que lutaram pela Independên­cia nacional, assim se recomenda que se faça a leitura desta importante obra, entretanto que a referida leitura seja feita na calada morna da noite, na companhia da razão de Apolo.

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