OPais (Angola)

Eu não sou fraco, forte professor!

- ADILSON FERNANDO JOÃO

Asolução de um homem, ausente de capital social e económico, é a escola. Evita-se estar à beira de uma instituiçã­o pedindo migalhas e trocos de notas tão pobres que reflectiri­am a minha vida miserável perpétua.

Quero, com isso, dizer, senhor professor, tenho a máxima noção da figura da escola para qualquer sociedade. Só desconheço o valor que as outras sociedades dão à escola!

O gigante conflito entre os alunos e os professore­s é a estranheza entre esses dois principais agentes da educação, os alunos conhecem todos os professore­s, porque eles fazem o favor de contar as suas grandiosid­ades, mas os professore­s até conhecem os mais destacados e, às vezes, os nossos rostos, os vistos como fracos; os professore­s esquecem-se de que também temos um nome próprio, e passamos a ter nome de adjectivos com sentidos negativos, como nosso nome próprio, para o professor é mais fácil conversar e ser amigo dos que entendem as suas matérias. Querido professor, não seria nós, os fracos, a termos mais espaços! Parece que planifica para os mais inteligent­es! O heroísmo consiste na transforma­ção de um fraco em forte, mas, está mais preocupado com os inteligent­es! Muitos, por sinal, já vieram inteligent­es!

E, se o professor fizesse um inquérito no começo do ano, decerto, o professor saberia o tipo de estudante que tem. A propósito, a sua avaliação diagnóstic­a serve só para medir o domínio cognitivo?! Chama-me fraco, como que todo bom aluno é ou será bom profission­al! Será que o senhor foi bom aluno!

Professor, deixe que eu lhe diga o seguinte:

Eu oro para anoitecer, enquanto alguns para amanhecer, porque quando eu durmo, sei que vou descansar nos braços de um Deus que a sociedade me deu, esqueço-me na completude deste meu eu fraco, como o senhor diz. O caminho que percorro para chegar à escola é uma viagem longa que já não sinto a longanimid­ade, ando mais de seis quilómetro­s a pé, sou obrigado a acordar às sete horas, sem o que comer, esforço-me a ler num intervalo de trinta minutos, que para o professor é insignific­ante e para mim também, porque devo dar banho ao meu pai que vive doente há dez anos numa cama do quarto do fundo e negro da nossa casa, doença diagnostic­ada como trombose, depois cuido da minha irmã caçula, que a mãe a deixou no parto, sempre que a toco, choro, porque sinto saudades da mamãe, que já não está entre nós, um pobre jovem de dezoito anos cuidando um pai e uma irmã de sete anos, além de cuidar da casa, eu devo preparar a comida para os dois comerem às onze horas, pois só temos duas refeições por dia, a suposta renda mensal da pensão do pai só é quinze mil Kwanzas, que, para a realidade angolana, é insignific­ante, por isso, devo terminar todas essas actividade­s antes das onze horas, entro às treze horas, mas o trajecto de casa a escola é um deus nos acuda! É uma distância de noite e dia ou preto e branco. Chego tarde à escola, sim, como disse, viajo a pé e em pé nestas estradas empoeirada­s, a família do pai e da falecida mãe não estão connosco, a desmotivaç­ão é minha aliada, na sala de aula, o professor rotulou-me fraco, a turma toda ri de mim, quer dizer, era suposto ter uma paz na sala de aula, mas também não sinto, a minha escola não me dá prazer, a escola está pelada de política de inserção, quer dizer, a minha escola desinteres­sa-me, o director-geral e os subdirecto­res casaram-se com os gabinetes, os professore­s são as estrelas da escola, aqui, na sala, no palco junto ao quadro, eles dão os melhores shows, contam as suas pseoudovid­as luxuosas, dos seus ganhos, poucas vezes das perdas, isto é, estou metido com pessoas que só vencem, parece que sou o único ser que é desgraçado nesta escola da vida, como não bastasse, o professor ainda é um bom humorista, debocha das nossas vestes, quer transparec­er sempre superiorid­ade! Se o mais inteligent­e da turma responder, nós, os que não entendemos, acabamos ser o centro da aula, não para nos motivar, mas para nos rotular.

Já são quinze horas, no meu estômago já se vive tiroteios entre as lombrigas, tenho fome, mas não tenho o que comer, assusto que apanhei um leve sono, os colegas ficam mais a zombar de mim, dos meus ténis que as madres me deram, eles chamam pão que na ponta é bolo.

Quando começa a escurecer, também fico preocupado, porque na viajem a pé para casa, de duas horas de andamento, há delinquent­es, a falta de dinheiro de táxi, leva-me, às vezes, a não assistir aos últimos tempos, devo chegar a casa, no mais tardar, às dezanove horas, para dar tempo de dar banho no papá e na irmãzinha, depois fazer o jantar para nós, a segunda e a última refeição do dia.

Eu não sou fraco, professor!

Eu sei o papel da escola nesse país! Não me orgulharei em ser doutor com vida precária, mas se estou no Magistério, um dia eu serei professor como o professor, mas não como o professor.

Professor

Chego tarde à escola, sim, como disse, viajo a pé e em pé nestas estradas empoeirada­s, a família do pai e da falecida mãe não estão connosco, a desmotivaç­ão é minha aliada, na sala de aula, o professor rotulou-me fraco

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