Letras das marchinhas de Carnaval geram discórdia
Compositor, cantora e especialistas defendem músicas, hoje apontadas como preconceituosas
Zezé, o da cabeleira, era um garçom que fazia sucesso com a mulherada e “nada tinha de gay”, segundo o compositor dos versos que o imortalizaram. O mesmo João Roberto Kelly escreveu sobre aquela que “de dia é Maria e de noite é João” (“Maria Sapatão”) e a primeira miss negra do Estado da Guanabara, atual Rio (“Mulata Iê Iê Iê”).
Unânimes em Carnavais passados, essas três marchinhas entraram na linha de fogo em 2017, por letras hoje questionadas por suas tintas homofóbica e racista.
Cantar ou não cantar, eis a questão para blocos de rua Brasil afora. Alguns escolheram deixar de tocar essas canções que lhe pareceram ferir o politicamente correto.
Kelly, 78 anos, diz se horrorizar com o veto: “Censura rima com ditadura”. “Engraçado que esse pessoal que se acha moderninho de progressista não tem nada. É re- trógrado. Sou homem de tendência de esquerda e não posso admitir jovem fazendo censura”, diz ele, autor campeão em execuções de músicas e recolhimento de direitos autorais no Carnaval desde 2008. A mulata bossa nova, Vera Lúcia Couto, 72 anos, concorda com a visão do compositor: “antigamente, ser mulata era elogioso”.
Outro tempo
Para a historiadora Rosa Maria Araújo, coautora do musical “Sassaricando”, marchinhas que hoje são não devem ser julgadas sob a lente do presente.
Quando Lamartine Babo lançou a marchinha “O Teu Cabelo Não Nega” em 1932, para celebrar a cor morena que “não pega”, ele agia como “um homem de seu tempo”, defende a historiadora.
“Não queremos proibir nada”, diz a percussionista Juliana Storino, da Orquestra Voadora e integrante do coletivo Todas por Todas.
“Mas será que é preciso ficar reproduzindo conteúdo racista e machista? Tem tantos milhões de outras marchinhas que empolgam. Falta empatia.”