O moderno João
“Pelo amor de Deus, vamos parar com essa numerologia, que só atrapalha e deixa muitos entendidos em má situação”, pediu João Saldanha, durante a Copa do Mundo de 1970.
“4-3-3, 4-2-4, 4-4-2, isso não existe mais, minha gente”, reclamou o cronista, que havia deixado o comando da seleção poucos meses antes.
Sua carreira de treinador já tinha sido encerrada. Mas, mesmo com sua simplicidade, o João Sem Medo —cujo centenário de nascimento será celebrado na segunda-feira— era moderno no desapego a sistemas rígidos de jogo.
A frequência com que os resultados hoje são explicados com a tal numerologia certamente irritaria o gaúcho. Os números não apontavam espaço para Tostão e Pelé jogarem juntos, o que não foi problema para Saldanha.
A ele, importava muito mais aproveitar o talento de seus jogadores do que se apegar a um esquema. E, tanto no Botafogo campeão carioca de 1957 quanto na seleção brasileira que classificou para o Mundial de 1970, não lhe faltava talento.
“O Botafogo era uma máquina. Era jogar as camisas para o alto e ir dormir”, dizia, minimizando o seu bom trabalho.
A descrição não é precisa, mas, além da coragem, seu segredo era mesmo a simplicidade.
“Seu João deixa a gente jogar o que sabe. Nasci na roça e aprendi a jogar futebol espontaneamente. Não sei receber instruções”, disse Garrincha. “Ele mostra os erros, mas adverte: ‘Se vocês acharem que meu conselho não está certo, podem mudar o jogo’. Com seu João eu jogo o que está dentro de mim.”
Um técnico que faz Garrincha jogar o que está dentro dele vai muito além do 4-1-4-1.