Mulher tenta retomar a vida após 16
Encarcerada pelo irmão após dar à luz, esquizofrênica viveu em más condições e sem tratamento
Uruburetama (CE) Uma mulher ficou em cativeiro por 16 anos, em Uruburetama, no Ceará. Maria Lúcia de Almeida Braga, 36, a Lucinha, foi encontrada em março por policiais. Pesava em torno de 50 kg e estava nua, em meio a fezes e urina, em um quarto trancado com cadeado na casa da família a 115 km de Fortaleza. Uma denúncia anônima deu fim ao cativeiro. O irmão, apontado como responsável por alimentá-la, foi preso e solto um mês depois. Ele irá a julgamento.
Nas próximas semanas, Lucinha fará uma perícia para tentar receber o BPC (Benefício de Prestação Continuada), por meio da Previdência Social. É pago um salário mínimo (R$ 937) a idosos e deficientes que não possam se manter, nem pela família.
Enquanto a ajuda financeira não vem, recebe do município leite e cesta básica. ONGs ajudam com doações de roupas. Lucinha só observa as peças doadas. Não parece satisfeita. Ainda se queixa da aparência. Quer fazer as pazes com o espelho.
Lucinha ganhou um espelho. Foram 16 anos sem ver a própria imagem. Ela se olha, mas não gosta do que vê. “Feia, gorda!”, são as poucas palavras que sabe dizer.
As roupas não lhe cabem mais. Ganhou 10 kg desde que foi libertada do cativeiro: um cômodo de 12 metros quadrados onde viveu sem espelho, sem cama e sem vaso sanitário.
Lucinha foi encarcerada pela família quando deu à luz Pablo. Hoje adolescente, o filho foi entregue para adoção a um casal da cidade e algumas vezes visita a mãe biológica. “Ele a chama de mãe, pede a bênção. Veio aqui no Dia das Mães, é carinhoso com ela”, conta Maria de Fátima Araújo, 57, vizinha da família que decidiu abrigar Lucinha —atualmente, ela é sua responsável legal.
Fora do cárcere, ela foi diagnosticada com esquizofrenia simples, doença que pode ter se agravado com os anos de prisão e a falta de medicamentos.
Agora em liberdade, ela se olha no espelho por longos minutos. É uma das pequenas conquistas a Lucinha. Assim como ir à casa da vizinha comer pão, pintar as unhas e desenhar flores e corações em um caderno —no cativeiro, eram só rabiscos.