Pai de santo é xingado nas ruas
Investigação associa perseguição religiosa a criminosos, que já chegaram a escrever “Jesus” em calçada
Rio O babalorixá Márcio de Barú, 37, chama os detratores de “falsos evangélicos” rótulo sugerido por um vizinho “amigo e evangélico”. Segundo Márcio, moradores de um prédio atiram batatadoce, pedras e ovos no quin- tal onde lidera sessões de candomblé, na Penha.
Citar Jesus é praxe quando o atacam, diz o motorista de lotação e pai de santo, lembrando que sua fé também reverencia o líder do cristianismo. “Se saio paramenta- do, o que mais escuto é ‘chuta que é macumba’”, afirma.
Para ele, a escalada de ofensas foi alavancada pela eleição do prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), bispo licenciado da Universal e sobrinho de Edir Macedo, que nos anos 1980 publicou “Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?”. Crivella, em “Evangelizando a África” (1999), afirma —e se desculpou depois— que igrejas de matrizes africanas abrigam “espíritos imundos”. Rio Em uma tarde de setembro, quem tinha poder sobre a mãe de santo Carmen de Oxum, 66, não era Jesus, mas traficantes que dizem tê-lo no coração. O grupo de Nova Iguaçu (Baixada Fluminense), convertido evangélico, estaria perseguindo religiões afro-brasileiras.
Carmen teve a seu terreiro atacado, cena filmada e distribuída nas redes sociais pelos próprios agressores. “Olha aqui, meus amigos, o capeta-chefe tá aqui. Taca fogo em tudo, quebra tudo! O sangue de Jesus tem poder!”, eram os gritos dos agressores.
No vídeo, ela é instruída a espatifar objetos ligados à sua fé. Na saída, ainda escreveram ‘Jesus’ na calçada fresca de cimento.
A casa de Carmen foi uma das oito atacadas na região desde agosto, em crimes associados ao “tráfico evangelizado”. Neste caso, o elo já foi comprovado, disse o diretor-geral da Polícia da Baixada, Sérgio Caldas. A Polícia Civil identificou parte dos supostos autores dos atentados, em investigação que corre em sigilo. Os nomes foram associados ao tráfico, e acredita-se que tenham se convertido na prisão.
Também em Nova Iguaçu, uma umbandista foi apedrejada em agosto pela vizinha evangélica que a acusava de bruxaria. Maria da Conceição, 65, levou pontos na testa e na boca. Poderia ter sido pior, diz o secretário de Direitos Humanos, Átila Nunes. “A pedra foi arrancada da calçada, devia ter uns dois quilos. Podia ter matado”, afirma ele, filho de um político e radialista ligado à umbanda.
O Disque 100, canal da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência para denúncias teve 15 casos afins em 2011 e 756 no ano passado.
Para Silmar Coelho, presidente do Conselho de Pastores do Rio, é preciso “separar o joio do trigo”, pois “se é evangélico, não pode ser traficante, e vice-versa”.
“Ou uma coisa ou outra”, concorda o pastor Demetrio Martins, 48 anos. E ele conhece de perto o mundo do crime. Nos anos 1990, comandou 25 bocas de fumo no Complexo do Alemão.
Para o delegado Sérgio Caldas, tráfico e igrejas se aproximaram nas prisões, onde “o número [de evangelizações] é alto, e o preso, à procura de uma corda para se segurar, simpatiza [com as missões]”. A “questão da salvação” é destacada por Diego Montone, delegado da secretaria nacional de Direitos Humanos. “É aquela história do ‘você matou e agora está salvo de seus pecados’.”