Centenários (ou quase)
Moradores com cem anos ou perto deles viveram as transformações de São Paulo
Acompanhar os acontecimentos históricos e as transformações sociais da cidade de São Paulo nos últimos cem anos é um privilégio para alguns paulistanos. Com cem anos ou perto de completar um centenário, esses idosos viram a avenida Paulista com casarões, o surgimento dos arranha-céus e o crescimento da indústria.
A aposentada Nair Mendonça Ribeiro Salomão, 101 anos, conta que São Paulo viveu uma evolução muito rápida, principalmente a partir dos anos 1940. “Eu me impressionava com os prédios altos. Tudo era bem diferente do que é hoje”, recorda dona Nair, que mora no Ipiranga (zona sul).
Natural de Franca (400 km de São Paulo), onde foi por duas vezes vereadora, dona Nair vinha com frequência à capital para passear. Após ficar viúva, em meados de 1990, veio morar com uma de suas filhas na capital. Para ela, a principal mudança foi de comportamento .
“Na minha juventude as mulheres não usavam calça, não podiam trabalhar fora de casa. Mas eram elegantes. Só saíam de casa com luvas e chapéus, pois acompanhávamos a moda de Paris”, conta a aposentada, que não abre mão de pintar as unhas com esmalte vermelho, o que não era permitido para uma dama nos anos 1940.
Violência
Para o centenários, o crescimento da capital trouxe com ele a violência que não era comum no passado.
O professor emérito da USP (Universidade de São Paulo), Jacó Guinsburg, 96 anos, recorda que antigamente os crimes passionais eram mais comuns e o assaltante considerado mais perigoso era italiano Gino Meneghetti (1878-1976), conhecido como “gato do telhado” pela habilidade de fugir pelos telhados das casas. “Hoje o assaltante mata para roubar uma carteira”, afirma.
Guinsburg nasceu em Moldova, país do leste europeu, e veio para São Paulo em 1930, seis anos após chegar ao Brasil com a família. Da infância, ele lembra que andava de bicicleta pela rua Augusta, ainda repleta de casas residenciais. Hoje, ele vive nos Jardins (zona oeste).
“Embora já tivesse indústrias, São Paulo ainda era uma cidade bastante provinciana.Andávamos muito a pé porque não tinha tantas linhas de ônibus e os carros eram poucos. A boemia era muito pequena e se concentrava no largo do Paissandu (região central), reunindo principalmente os playboys, os estudantes de direito e os jornalistas”, recorda.
O professor diz que foi a partir de 1960, após os investimentos feitos no governo do presidente Juscelino Kubitschek ( 1956 a 1961), que São Paulo deixou de ser uma metrópole para ser uma cosmópole (cidade do mundo). “Deixamos o mundo dos coronéis e entramos para o mundo das indústrias.”