Agora

Sofredor

- Vitor Guedes é jornalista, ZL, equilibrad­o e pai do Basílio

A vitória não tem pai. É de todo o mundo. E, pois, não é de ninguém, É aglomeraçã­o, mixórdia. Multidão sem rosto. A derrota é outra história. Tem digital, o sofrimento é pessoal, autoral como todo fundo de poço. Ad eternum na própria memória. Comemoraçã­o é gestual, ritual, muitas vezes, artificial. Como pôster-perfil de rede social. A derrota é outro nível, intransfer­ível, fingir dor é inverossím­il. Dor que ultrapassa a fronteira do impossível, que só quem ama até doer sabe que é crível. Muito ao contrário do orgasmo, caricato, raso. Por mais delicioso e incrível, de profundida­de risível. Grito de “chupa” coletivo na janela bate, volta, não faz morada. No máximo, eco. Diversão de “legião de imbecis”, parafrasea­ndo Umberto. Muito barulho nunca é nada. Acaba à noite, no samba, como ritmista se acaba no tamborim e no reco-reco. O que fica quando cai a noite é o silêncio. Sem esquindô, esquindô. Duro, denso. Tum, tum, é surdo de primeira, bate, marca. Açoite. Ensurdeced­or, como um martelo, martelando o cérebro. Ser ou não ser é poesia, vencer ou vencer discurso de autoajuda, motivação fajuta, vontade de pertencer ao grupo. Tem alcance social de quem não vive, não vive por viver para fã de Instagram. Falso curtir. A vitória é uma porção de corações sem ligações. Perder é pertence. À vera, emoções. Compartilh­amento próprio. Eis a questão, só seu, meu. Eu com eu. Rir é exterior. A alcance de todos nós, a qualquer ser, a qualquer hiena que repete tudo o que é retrógrado e atrasado ainda que fantasiado de novo. Gente que vê o futuro ao olhar 1964. Falsos brilhantes. Chorar sem externar as lágrimas é para muito poucos. Careta, sem anestesia, é que o bagulho é louco. Vai a noite, vem o dia, futebol imita a vida. E é maravilhos­o até quando é péssimo e doloroso. Como foi com Sócrates em 1984. Porque basta viver para doer. E a vida é dolorida, dolorida. Por mais que seja linda. A vitória, o auge da glória, não é concreto. Alegria abstrata da massa. Fetiche grupal subjetivo. O objetivo sempre é íntimo. Como a dor. Ninguém canta derrota. Toda vitória é igual. Cada derrota tem a sua história. E sou o que sou porque somos frutos do que aprendemos nas nossas sofridas derrotas. Até na vitória, tudo é mais difícil.

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