Agora

Seis anos sem Félix, “o frangueiro”!

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“Pai, por que me chamam de ‘filha do frangueiro’ lá no ‘culégio’, pai?”. Curioso, mas nas pronúncias regionais do Brasil, o carioca fala “culégio”, e não colégio. Mas o importante foi a pergunta da garotinha Lígia, então com sete anos, filha caçula do saudoso goleiro Félix, ao telefone, conversand­o com o pai concentrad­o em Guanajuato em meio à Copa do México, em 1970.

Marlene (falecida há um ano), a esposa, ligou lá para o marido usando o telefone da vizinha de apartament­o em Laranjeira­s-rj, e se falaram por um tempo. Mas com a garotinha Lígia (hoje ela tem dois filhos e um neto) cutucando a mãe porque ela queria fazer ao pai a tal pergunta que tanto a incomodava e a intrigava todo dia ao voltar do “culégio”. Félix então ouviu a pergunta da filha, pensou um pouquinho, não se abalou e respondeu que, “quando mocinho, filha, eu trabalhei na padaria do Seo Furriel lá na Mooca e minha função era cuidar do forno, assar, embalar e entregar os frangos assados para os fregueses que sempre faziam grandes filas na calçada”, disfarçou.

Aliviada, Lígia ouviu, mandou beijos para o pai, devolveu o telefone preto grandão para a mãe e a vida seguiu com a seleção brasileira cada vez melhor na Copa de 70. Foram seis vitórias implacávei­s e um dia antes da final, contra a Itália, ele pediu e recebeu do jornalista Oldemário Touguinhó (1934 - 2003) os números de telefone que lhe dariam acesso à Embratel no Rio e à consequent­e conexão com seu apartament­o alugado e sem telefone, algo raro e caro à época. Mas ele tinha o número da vizinha, Neusa.

E o que fez, pensou e arquitetou Félix, desde que ouviu a pergunta “cruel” da tão ingênua filhinha? Escreveu os números na parte de dentro de sua sunga branca ou da “saqueira” que os jogadores usavam antigament­e, ficando sempre aparente a faixa branca separando o calção da camisa.

Aí a bola rolou com o Brasil metendo 4 a 1 na Itália. Foi uma festa só! Os amorosos mexicanos invadiram o Estádio Azteca e praticamen­te despiram nosso time de C.A. Torres até Rivellino. Quase todo mundo “pelado”, a gente vê sempre nas reprises da Copa de 70!

E aí, cadê o Félix? Sim, na festa, naquela bagunça, o Félix... sumiu! É que nos últimos minutos, já 4 a 1, ele tinha um olho na bola e outro na porta de acesso aos escritório­s do estádio. O juiz apitou, 4 a 1 na cabeça e ele se mandou do seu gol direto para aquela porta, ganhou o corredor e entrou gritando “teléfono”, “teléfono”, “teléfono”...

Prontament­e o atenderam, ele “colou” os números da “saqueira”, a Embratel atendeu no Rio, transferiu a ligação “press collect call” para a vizinha da família Venerando e Dona Neusa foi chamar a esposa Marlene e a filha do goleiro herói, com ele ficando uns 50 segundos ouvindo os fogos do bairro das Laranjeira­s, o que, claro, ocorria em todo o Brasil. E quando a esposa falou “alô”, Félix respondeu: “Meu bem, primeiro a Lígia”. E já com a menina ao telefone, Félix berrou como nunca na vida: “Filha, diga amanhã lá no colégio para seus amiguinhos e amiguinhas que seu pai não é frangueiro, mas que seu pai é campeãooo do mundooo...”, gritou, chorando e repetindo várias vezes.

Repetiu, repetiu e repetiu como em milhares de vezes infelizes e cruéis, jornalista­s ou não, tanto já repetiram: “O Brasil ganhou a Copa de 70 apesar do Félix”! Isso doía nele mais que sua morte física doeu e dói em toda sua bela família Venerando.

Moral da história: Barbosa foi crucificad­o no Brasil por não ter ganho a Copa de 50 e Félix foi crucificad­o por ter ganho a Copa de 70. País de ingratos! Depois de Deyverson, não é que Felipão conseguiu recuperar até Lucas Lima (foto)? O meia foi o grande nome do Palmeiras na importante vitória contra o Botafogo. Agora, que ele consiga engatar uma sequência de bons jogos! José Maria Marin (foto) entrou na partida aos 38 minutos do segundo tempo e vai pagar sozinho pelos que estão jogando todos os jogos há décadas. Muito bem feito! Que o caso sirva de lição aos nossos atuais e futuros cartolas!

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