‘Não devemos comprar briga que não podemos vencer’
General Mourão diz que relação com a China é fundamental e defende diálogo com o Mercosul
A rotina do general da reserva Hamilton Mourão tem sido intensa no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), que abriga o governo de transição. Amistoso e acessível, o vice-presidente eleito não se furta a dar suas opiniões, que nem sempre parecem coincidir com as do presidente eleito Jair Bolsonaro ou com as de Paulo Guedes, futuro ministro da Economia.
Ele acha, por exemplo, que o bom relacionamento com a China é fundamental. Defende que o Brasil mantenha diálogo com o Mercosul.
Ele fala em cautela para tratar da mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, como disse que faria Bolsonaro, pois ela pode transferir a “questão do terrorismo internacional” para o Brasil. Pergunta O primeiro embaixador do Brasil nos Estados Unidos no regime militar, Juracy Magalhães, falou a célebre frase: o que é bom para os EUA é bom para o Brasil. Isso mudou, mesmo nos governos militares. Declarações de Jair Bolsonaro e do futuro chanceler, Ernesto Araújo, indicam que pode haver de novo um alinhamento com os americanos. Isso é bom? General Mourão A gente tem que buscar nossos objetivos e os países que fortaleçam a conquista desses objetivos. A posição dos EUA é inquestionável. É a potência hegemônica, que tem capacidade de travar guerra em dois locais diferentes ao mesmo tempo e grande projeção tecnológica. Mas não podemos descuidar dos outros grandes atores da arena internacional. Não podemos nos descuidar do relacionamento com a China. Pergunta O senhor esteve com os chineses. Como receberam a frase do presidente eleito de que estão querendo comprar o Brasil? General Mourão Aquilo [a declaração] é mais uma retórica de campanha, né? Com as redes sociais, muita coisa flui e não é a realidade. Pergunta Como o novo governo pensa?‘ General Mourão O governo precisará ter uma posição equidistante. Tanto o presidente Bolsonaro quanto o [Donald] Trump têm uma forma peculiar de lidar com o mundo exterior. Eles são meio parecidos nisso aí. Mas Trump comanda a maior economia do mundo e pode comprar certas brigas. Eu acho que o presidente Bolsonaro não vai poder. General Mourão Nós podemos comprar as brigas que podemos vencer. As que a gente não pode, não é o caso de comprar. Pergunta O anúncio de que o Brasil pode mudar a embaixada em Israel para Jerusalém não pode descontentar o mundo árabe? General Mourão É uma decisão que não pode ser tomada de afogadilho. Nós temos um relacionamento comercial importante com o mundo árabe. Há também uma população de origem árabe muito grande em nosso país, concentrada nas nossas fronteiras. Temos sempre que olhar a questão do terrorismo internacional oriundo da questão religiosa, que poderá ser transferida para o Brasil. Agora, dentro daquela disciplina intelectual: após estudado o assunto, espancada a ideia, tomada a decisão, vamos com ela. Pergunta O novo chanceler diz que o debate de mudanças climáticas fazem parte de trama marxista para sufocar as economias ocidentais. Idem O senhor concorda? General Mourão Não resta dúvida de que existe um aquecimento global. Não acho que seja uma trama marxista. Mas vamos falar do outro lado da moeda: o ambientalismo é utilizado como instrumento de dominação indireta pelas grandes economias. Pergunta O futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, disse que o Mercosul não será prioridade. O senhor acha que o acordo é ideológico e uma trava para o Brasil? General Mourão O Mercosul, como acordo de comércio, não está cumprindo a sua função. Então, antes de pensarmos em extinguir, derrubar, boicotar, temos que fazer os esforços ainda necessários para que atinja os seus objetivos. Tem que haver uma conversa maior com os nossos vizinhos. Principalmente com a Argentina. Qual o papel do senhor no governo? General Mourão Nós estamos num estudo. O vice-presidente não tem função específica, pela Constituição. Ele fica ali igual a um apêndice. Eu acho que eu posso auxiliar o presidente da República porque senão cai tudo em cima dele. Aí entra a nossa visão militar, do comandante, subcomandante, o chefe de estado maior. Então é aquele que coordena o trabalho nos ministérios.