Sensibilidade zero
Aos 28 anos, o argentino Emiliano Sala viveu recentemente o melhor dia de sua vida: depois de dez anos vagando por pequenos clubes da França, o atacante realizou o sonho da imensa maioria dos jogadores de futebol e conseguiu um polpudo contrato para defender o Cardiff, do País de Gales, no poderoso Campeonato Inglês. Em 21 de janeiro, o avião em que ele viajava para conhecer o novo clube não chegou ao destino: caiu no Canal da Mancha, despedaçou-se, provocou uma comoção mundial e rendeu uma série de homenagens.
Tudo muito emocionante até aparecer o lado sujo da tragédia: Cardiff e Nantes, seu ex-time, já brigam pelos milhões de euros investidos na contratação antes mesmo de o corpo ser encontrado. O clube francês exige o pagamento dos galeses que, por sua vez, já deixaram de pagar a primeira parcela da compra.
Indenizações à família e responsabilidades envolvendo o acidente, então, ainda nem se fala. Tudo é muito emocionante e solidário até ter dinheiro envolvido.
Não é um fato isolado. O episódio lembra muito o caso de Dener, o promissor atacante de Portuguesa e Vasco, vítima de um acidente de carro, em 1994, aos 23 anos. Depois de mais de duas décadas, o clube carioca ainda devia parte do seguro de vida à família do jogador.
O mesmo tratamento recebe as famílias das vítimas do acidente aéreo da Chapecoense, que, depois de dois anos da tragédia, ainda buscam na Justiça a indenização do seguro de US$ 25 milhões da aeronave da Lamia que fazia o transporte da equipe catarinense.
Não bastasse isso, os grandes nomes do nosso futebol, ídolos de tantas crianças, cospem nos rivais e fazem piadas com a tragédia de Brumadinho.
Um pouco mais de sensibilidade resolveria muita coisa errada dentro e fora das quatro linhas.