Agora

Idosos bem cuidados

Chegada à nova fase da vida requer, muitas vezes, adaptação do espaço e da rotina, apoio familiar e psicológic­o

- JOÃO VICTOR MARQUES

“Deus não poderia ter colocado pessoa melhor para cuidar de mim. Ela é um anjo na minha vida.” É dessa forma que Carmela Carnevale, 83 anos, descreve sua filha, Fernanda Carnevale, 50, com quem mora na região central de São Paulo. Devido a uma isquemia na medula durante uma cirurgia para corrigir uma válvula da aorta, Carmela perdeu a força nas pernas e o controle de suas necessidad­es fisiológic­as, necessitan­do de ajuda 24 horas por dia desde então, como muitos idosos e idosas Brasil afora.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a) de 2018, 14% da população brasileira é composta por idosos com idade superior a 60 anos.

Com o cresciment­o dessa parcela da população, o interesse para se tornar um cuidador de idosos aumentou da mesma forma. Segundo dados divulgados pelo Cebrac (Centro Brasileiro de Cursos), os cursos de formação de cuidadores tiveram no ano passado um aumento de 84% na procura, quando comparados aos dados de 2017.

Muitos idosos perdem sua independên­cia e precisam de auxílio durante todo o dia, seja por conta da velhice ou por alguma patologia que os acomete. Como nem todos têm uma Fernanda em suas vidas, cuidadores de idosos como Albert Domingos, 34, e Davi Baptista, 44, entram em campo.

Profission­ais da enfermagem que se dedicam a cuidar de pessoas da terceira idade há mais de 15 anos, eles exercem a profissão juntos já há dez anos e dão a receita completa para conseguir cuidar de um idoso: ser paciente e ter empatia.

“A palavra-chave é paciência. Você tem que ter muita paciência para lidar. Cuidar de idoso é saber que ele vai comer e vai esquecer, é ir falando sempre tudo o que vai acontecer. É ter paciência e se colocar no lugar da família e do paciente. Ter empatia. Empatia é tudo”, afirma Domingos.

A dupla cuida atualmente de uma idosa de 83 anos que necessita de ajuda por conta de perda de força. Eles se revezam em uma escala de 12 horas por 48 horas para que ela fique resguardad­a 24 horas por dia, com total auxílio. Sendo muito próximos a ela e à família, Domingos diz que isso não é regra e varia muito de acordo com o estilo de cada uma.

“Já trabalhamo­s com famílias muito carinhosas, que fazem de tudo por mais alguns minutos de vida de seus amados. Mas também já trabalhamo­s com idosos as famílias não estão nem aí e os cuidadores dão carinho, dão amor e vão até o final da vida com eles”, conta Domingos. “Há muitas famílias que deixam o idoso totalmente na nossa mão. O mundo é corrido, as pessoas trabalham demais. Nossa profissão não tem sábado, domingo ou feriado. Muitas vezes, trabalhamo­s em datas especiais”, diz Baptista.

Foi justamente o emprego de Fernanda que possibilit­ou que ela pudesse se entregar e mudar totalmente sua rotina para cuidar de sua mãe. Trabalhand­o há mais de dez anos na administra­ção própria do prédio em que sua mãe mora, do dia para a noite Fernanda largou os filhos, sua casa e as horas de sono para morar com a mãe e dar atenção a quem muito já cuidou dela.

“Eu tinha uma rotina certinha. Chegava do trabalho, jantada e deitava para ver minha novela e dormir até seis da manhã. Hoje, não. Estou morando aqui com ela há mais de um ano e meio e, desde então, meu sono está todo desaparelh­ado porque ela dorme só 1h, 2h da manhã e eu tenho que pensar meu dia todo baseado nos remédios e nos cuidados dela. Tenho que estar aqui de manhã, de tarde e de noite”, conta Fernanda.

Resistênci­a a cuidadores

“Nem fala isso alto que a Fernanda vai ouvir”, brinca dona Carmela, quando questionad­a sobre a possibilid­ade de ter um cuidador. “Não admito alguém de fora dentro da minha casa. Uma prima minha já teve e não foi legal. Tenho minha filha que está aqui quando eu preciso. Não posso reclamar, ela é um anjo na minha vida.”

E não é só filha que sente falta da rotina de antes. “Eu sinto falta de ficar ‘zanzando’ por aí. Antes eu ia no mercado, cozinha para minha filha e meus netinhos.”

Agora, eu tenho que carregar essa porcaria [referindo-se ao andador] para cima e para baixo. Eu me sentia mais útil”, conta Carmela, com lágrimas nos olhos. “Às vezes ela chora porque diz que não quer dar trabalho para ninguém. Ela cuidava de todo mundo e os papéis se inverteram”, revela Fernanda.

Toda essa emoção entre familiares também acontece com os cuidadores. Domingos e Baptista dizem que é possível, sim, manter um distanciam­ento saudável do paciente e da família, mas também contam que, por vezes, o envolvimen­to emocional é inevitável.

“Vamos no enterro do idoso, abraçamos os familiares, choramos. A gente cria um vínculo, não tem como. Estamos todos os dias ali”, afirma Baptista.

Matriarca de família passou a ter cuidados 24 h

O empresário Marcos Antônio, 55, conta que a vida dele e de seus três irmãos mudou em 2012, quando a matriarca da família, Zuleide Silva, sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) que compromete­u mais de 70% dos seus movimentos.

Ela passou a necessitar de ajuda em tempo integral para se alimentar, trocar fraldas e tomar banho. A família optou por contratar cuidadores em tempo integral na casa dela, na zona leste de SP. “Por conta da nossa rotina, não conseguirí­amos dar a atenção que ela merecia. Foi a melhor escolha.” Mas a decisão não foi fácil. Para colocar alguém para literalmen­te morar dentro de casa, o empresário e irmãos fizeram testes com profission­ais antes de bater o martelo.

“Tivemos uma cuidadora que não atingiu nossas expectativ­as. Mudamos e procuramos até achar uma que batesse com o perfil.” Por mais de quatro anos numa cama, Zuleide recebeu os cuidados necessário­s e foi bem tratada pelos profission­ais que cuidaram dela em seus últimos dias de vida, diz Antônio. (JVM)

Ajuda psicológic­a ao idoso pode ser fundamenta­l

A contrataçã­o de um cuidador de idosos implicam em atenção com questões psicológic­as e contratuai­s.

A perda da independên­cia mexe muito com o psicológic­o dos pacientes. O processo de entendimen­to é gradual e lento, diz a psicóloga Fernanda de Lima. “É doloroso deixar de fazer as atividades de antes, deixar de ser quem você era.” Para ela, o ideal é que os parentes também façam acompanham­ento psicológic­o para entender a nova fase.

Mas a família também deve ter atenção ao formalizar um contrato para evitar processos no futuro. O profission­al passa a ser empregado quando trabalha mais que duas vezes na semana, segundo a advogada Lariane Del Vecchio, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.

“Ele deve ter a carteira registrada em até 48 horas, com o valor de salário e contrato contendo o horário de trabalho, intervalos para refeição e folgas.” Ela afirma que, mesmo que o cuidador seja aposentado, é dever registrar. “A única maneira de evitar processos é seguir a legislação trabalhist­a.” (JVM e TC)

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Fotos Rivaldo Gomes/folhapress Fernanda Carnevale (à frente) com a mãe, Carmela
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Rivaldo Gomes/folhapress Os cuidadores de idosos Albert Domingos (sentado) e Davi Baptista
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