‘Nada a Perder 2’ teria tudo a ganhar com Edir Macedo menos glorificado
Dif ícil acreditar que a saga do bispo, personagem importante das últimas décadas, seja tão limpinha
CRÍTICA
Não é choque algum uma cinebiografia autorizada que seja benevolente com seu retratado. “Nada a Perder 2”, contudo, estica a corda.
Esta segunda parte do que será uma trilogia sobre a trajetória do bispo Edir Macedo emula a via crúcis de Jesus Cristo. O vasto acervo de polêmicas que acompanharam a ascensão de Macedo como um dos maiores líderes evangélicos do Brasil está lá. Tudo intriga da oposição, “Nada a Perder 2” tenta te convencer a cada minuto.
Por exemplo: em 1995, um bispo dissidente divulgou um vídeo em que o fundador da Igreja Universal do Reino de Deus ensina colegas a tirar dinheiro dos fiéis. Macedo se ajoelha para contar o dízimo arrecadado, as cédulas espalhadas no chão. Olhando para a câmera, coloca a língua para fora e sorri.
A produção de 2019 dá uma versão diferente para o episódio: eram só notas de US$ 1, e Macedo contava o dinheiro no chão porque eles não tinham dinheiro para comprar uma mesa. Tudo serviria para pagar o aluguel do templo e poder, assim, espalhar a palavra de Deus.
A trinca de vilões de “Nada a Perder 2” é caricata. Um membro da alta cúpula católica e um juiz e um senador, que depois se revelam corruptos, perseguem Macedo.
No primeiro “Nada a Perder”, essa perseguição implacável contra o homem de Deus termina na prisão do bispo, acusado de charlatanismo e estelionato. Ele, por sinal, deu uma aula de marketing naquele 1992: em vez de se mostrar abatido, deixa-se fotografar lendo a Bíblia atrás das grades. O perfeito mártir.
Nesta sequência, o protagonista diz perceber que o pior ainda está por vir. Certo está. Vejamos a cena inicial. O ano é 1995, e a coisa está feia para a Universal. Um de seus bispos chutara uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil para os católicos, e bem no dia dela, 12 de outubro. Tudo foi ao ar na Record. Contexto: adorar ídolos e santos vai contra o desígnio de Deus, segundo a ótica evangélica.
A Folha Universal, jornal distribuído nas igrejas de Macedo, fez uma longa reportagem de quatro páginas sobre a cinebiografia. Nela, o episódio ganha outra narrativa. Fala-se num “ex-bispo” que “tocou com o pé” a estátua de Aparecida.
Seguem-se anos difíceis para Edir Macedo, que incluirão a morte de sua mãe e a de mais de 20 fiéis, após o teto de um templo em condições irregulares desabar em Osasco (SP). A dramatização dos fatos, essa prerrogativa da ficção, reforça a ideia de que todos estão contra o bem-intencionado bispo. Até a aeromoça deixa café cair em seu colo de propósito.
O tal chute na santa trincou a imagem da Universal, mas não a quebrou, como seus inimigos previam na época. Macedo dá a volta por cima e, em 2014, recebe as mais altas autoridades do mesmo país que, segundo ele, o humilhou: todos convidados na inauguração da obra mais ambiciosa da Universal, a réplica do Templo de Salomão.
Em crítica para “Nada a Perder 1”, escrevi que o filme era chapa-branca como um comercial de alvejante. Esta continuação revela que são várias as formas de lavar uma história até ela adquirir a coloração desejada. É difícil acreditar que a saga de Edir Macedo, sem dúvida um dos personagens principais das últimas décadas do Brasil, seja tão limpinha. Assim como não é justa essa imagem de vigarista inescrupuloso que muitos têm dele. “Nada a Perder 2” só teria a ganhar com um protagonista mais multifacetado. (Folha)