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Débora Falabella faz papel da vítima em peça sobre caso de estupro

Em cartaz em São Paulo, ‘Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante’ se baseia em caso real ocorrido no Piauí

- MARIA LUÍSA BARSANELLI

“Antes de começar: coragem”, avisam letreiros logo no início do espetáculo. O recado não é à toa. Afinal, a peça “Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante” parte de uma premissa um tanto dura e intrincada, a da violência contra a mulher. Mas a dramaturga Silvia Gomez faz de sua peça uma espécie de escudo, de escape, buscando caminhos mais delicados e fantasioso­s.

Gomez começou a esboçar o enredo depois de um caso ocorrido no Piauí, há quatro anos, quando quatro garotas foram estupradas por um grupo de homens e depois jogadas de um penhasco.

“Eu parti desse incômodo, e depois vieram outros casos. A cada dez minutos uma mulher é vítima de estupro no Brasil”, afirma ela, que escreveu a peça para o Grupo 3 de Teatro, formado por Yara de Novaes, Débora Falabella e Gabriel Fontes Paiva.

“Mas como falar disso? Porque já é um tema pesado, a gente não precisa fazer mais drama. Então fomos pelo simbólico, pelo distanciam­ento e até pelo humor, que é uma forma de sobrevivên­cia.”

Tudo se passa no quilômetro 23 de uma rodovia imaginária. A vigia desse trecho abandonado (interpreta­da por Novaes) já está habituada a casos de violência naquele pedaço de asfalto e, numa noite de céu excepciona­lmente brilhante, vê mais uma vítima (Falabella) de estupro coletivo. Mas a vigia não se resume à sua função de patrulha.

É ela quem vai atravessar a noite com essa jovem, em meio a suas dores e seus delírios. Tira de uma mochila tudo aquilo de que precisam, de um banquinho portátil a balinhas mágicas —toda sorte de ansiolític­os e antidepres­sivos.

Fala frases de efeito para animar a garota (“keep walking, a vida é uma propaganda de uísque”).

Em vários momentos ocorre um jogo com a forma do teatro. Nas laterais do cenário (uma rodovia em declive contornada por luzes que simulam faróis de carros) estão os técnicos de iluminação e um grupo musical, todos sobre o palco.

Quando crê que precisa mudar a estratégia para atravessar com sucesso a noite, a vigia para tudo e pede que mudem a luz ou a música —algo com tons mais animados; uma projeção fofa; uma música de filme de ação, daquelas em que a gente tem certeza de que tudo vai dar certo no final.

“O teatro aparece aqui como um jeito de escapar, de ter humor e de se salvar. Ele tem esse lugar mesmo, do coletivo, e é um espaço que antevê coisas, uma forma de achar saídas”, diz Novaes.

Todos esses elementos cênicos são como personagen­s, que reforçam essa ideia de violação, explica Paiva, que é diretor da montagem. “Não temos uma linguagem realista, explícita”, afirma.

Mesmo a música transita pela metalingua­gem teatral e permeia os humores —de dor, humor e delírio— das personagen­s. As composiçõe­s são interpreta­das por uma banda só de mulheres, a boliviana Las Majas. O quarteto permeia o espetáculo com comentário­s por vezes em espanhol e que fazem paralelos com a realidade de outros países latinos, expandindo o escopo da violência para além do Brasil.

“É um trabalho que fala de um sintoma maior que o estupro, a violência contra a mulher faz parte de algo mais amplo, complexo”, comenta Gomez. “Vejo essa peça também como um reflexo deste momento em que a gente está vivendo, esta noite escura, este mundo louco.” (Folha) ‘Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante’ Sextas e sábados, às 21h; domingos, às 18h. No Sesc Consolação (rua Doutor. Vila Nova, 245, Vila Buarque). De R$ 10 a R$ 20. 16 anos. Até 8/10.

 ?? Fabio Audi/divulgação ?? Débora Falabella e Yara de Novaes em cena da peça ‘Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante’, em cartaz em São Paulo
Fabio Audi/divulgação Débora Falabella e Yara de Novaes em cena da peça ‘Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante’, em cartaz em São Paulo

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