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Novela mostra transforma­ção de São Paulo e momentos históricos

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ra ter cena de cinco páginas e acontecer pouca coisa. Com isso você já precisa fazer adaptações ao longo de tudo”, afirma Chaves.

Mudança ainda mais discreta é na forma como a mulher, especialme­nte a protagonis­ta, passa a ser retratada. “Éramos Seis” estreia ainda sob o calor de um movimento feminista que, especialme­nte no audiovisua­l, ganhou temperatur­a com o Metoo, nos Estados Unidos, e seus desdobrame­ntos pelo mundo, inclusive no Brasil.

A protagonis­ta vai sofrer a influência desse momento. “Nossa Lola é uma personagem diferente daquela de 1994. Como força motriz da família e daquela história, ela agora é menos submissa, tem mais voz, e ela descobre essa voz”, conta Chaves. “Vai ter mais força naquela casa, na maneira como se comporta, ainda que continue sendo uma mulher típica dos anos 1920.”

Na visão da autora, o texto original tem essa matriz, sem que uma bandeira feminina seja explicitam­ente levantada. “Essa protagonis­ta nos dá o registro de um feminino daquela época. É um livro importante porque tem essa marca, que pode ser vista como denúncia, como crítica.”

O destaque à personagem feminina, vista ali como força propulsora da narrativa, nos leva a compreende­r o sucesso da novela. Na versão de 1994, o SBT conseguiu boa audiência para a época. A média do ibope anterior à novela era de 15 pontos. Esse patamar se manteve no início, mas houve cresciment­o durante a trajetória do folhetim, com um pico de 22 pontos.

“Éramos Seis” também ficou conhecida por ter sido uma aposta orçamentár­ia do SBT. A emissora investiu US$ 5,5 milhões na novela.

Na época, os direitos foram comprados de Silvio de Abreu e Ewald Filho. Em 2001, Silvio Santos reexibiu a novela, mas foi a última vez. Há dois anos, a Globo comprou os direitos, tanto da versão escrita pelos dois roteirista­s como do livro original, o que travou no SBT a chance de exibir a própria produção da década de 1990.

Bom lembrar que foi aquela versão que lançou a carreira de Ana Paula Arósio, até então modelo, como atriz. Também deu destaque a um Caio Blat ainda em início de carreira. Ambos ganharam fama a partir dali. (Folha)

Na nova versão para a Globo, Antonio Calloni, no papel de Júlio, é o marido de Lola, no lugar de Othon Bastos, que encarnou o personagem há 25 anos.

A história começa em 1921 e, no decorrer de mais de 20 anos, veremos uma São Paulo em grande transforma­ção, passando por momentos históricos, como a Revolução de 1932, e uma expansão urbana movimentad­a por imigrantes.

Se o papel da mulher, nesta nova versão, se guia por um ambiente de cunho feminista, o que dizer então do principal papel masculino da novela? Calloni diz que a obra retrata um tipo de homem que era visto basicament­e como provedor. “O drama do Júlio é absolutame­nte humano. Está nas batalhas do dia a dia, em pagar suas contas, realizar sonhos, sustentar a família”, diz.

Na visão de Calloni, é simbólico também que Júlio pertença a uma geração de homens que tinha “dificuldad­e muito grande de demonstrar amor”. “A relação com os filhos é conflituos­a por ele não conseguir se expressar. É bonito contar essa história agora, num momento tão delicado, tão belicoso”, diz o ator.

A reportagem acompanhou Calloni num dia de gravação numa antiga estação de trem, construída no século 19, e que hoje ainda é ponto turístico de Campinas, no interior paulista. Era uma cena de poucas palavras, num dia ensolarado. Júlio andava pela estação, entrava no trem e, conforme a viagem seguia, o personagem lutava contra o sono provocado por um dia exaustivo.

Calloni reconhece na novela a influência de uma “vertente mais feminista” atual, mas sem que se percam caracterís­ticas da época. Segundo o ator, o homem hoje deve assumir o papel de ouvinte, ainda que um ouvinte ativo. Ele conta que, aos poucos, Júlio vai entendendo que a cultura em que vive responde por dramas pessoais e vai encontrand­o formas para expressar seus sentimento­s.

Vale lembrar que, nascida em Botucatu, no interior paulista, a escritora Maria José Dupré conheceu, na expansão de São Paulo, um ambiente em que as mulheres tiveram um pouco mais de liberdade. Na década de 1920, quando a história de “Éramos Seis” começa, as mulheres nem sequer votavam. Elas conquistar­am esse direito —e também o de disputar eleições— só em 1932.

Dupré foi alfabetiza­da pela mãe e por um irmão mais velho. Em São Paulo, ela se formou professora e se casou com o engenheiro Leandro Dupré. Publicou seu primeiro livro, “O Romance de Teresa Bernard”, depois dos 40 anos, em 1941. “Éramos Seis” veio na sequência, em 1943.

Dona Lola, só hoje sabemos, tinha muito chão pela frente. (Folha)

 ?? Reprodução ?? Elenco da versão do SBT (1994): Tarcísio Filho, Luciana Braga, Jandir Ferrari, Othon Bastos, Irene Ravache e Leonardo Brício
Reprodução Elenco da versão do SBT (1994): Tarcísio Filho, Luciana Braga, Jandir Ferrari, Othon Bastos, Irene Ravache e Leonardo Brício

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