‘A Vida Invisível’, que representa o Brasil no Oscar, estreia sob aplauso
Longa sobre duas irmãs que enfrentam o machismo foi exibido no Ceará com presença de Fernanda Montenegro
FORTALEZA Duas horas antes da primeira exibição nacional de “A Vida Invisível”, na última sextafeira (30), o cineasta Karim Aïnouz contava que não havia dormido na noite anterior.
A expectativa não era igual à do lançamento de outros filmes por uma combinação peculiar —estrear no Brasil a história que foi indicada para representar o país no Oscar na cidade em que nasceu e no São Luiz, sala de cinema no centro de Fortaleza na qual viu seu primeiro filme.
A exibição foi bem recebida, principalmente quando Fernanda Montenegro apareceu na tela. As personagens da trama, que na maioria das cenas aparecem suando muito sob o calor do Rio de Janeiro dos anos 1950, levaram o público aos risos, principalmente no início, mas também ao choro.
A obra de Aïnouz é baseada no romance “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, da escritora Martha Batalha. A trama gira em torno de duas jovens irmãs que sucumbem, cada uma à sua maneira, ao machismo no Rio.
A impositiva Guida (Julia Stockler) se apaixona por um marinheiro grego e acaba grávida antes do casamento. Já a mais contida Eurídice (Carol Duarte) tem de se casar virgem com um sujeito sem graça, interpretado por Gregorio Duvivier. Uma mentira fará com que as duas irmãs percam contato uma com a outra por décadas a fio.
A estreia de “A Vida Invisível” no circuito nacional será primeiro nas salas do Nordeste, a partir de 19 de setembro. O filme entrará no circuito nacional no dia 31 de outubro.
O longa estreou no Festival de Cannes, em maio, e levou o prêmio de melhor filme na seção Um Certo Olhar. Na mesma edição do evento francês, o filme de Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho “Bacurau” —que era o principal concorrente de “A Vida Invisível” à indicação de representante brasileiro ao Oscar— disputou na competição principal e acabou faturando o prêmio do júri. Ambas foram vitórias inéditas do cinema nacional.
Aplausos e protesto
Antes da exibição do longa, Karim Aïnouz definiu seus sentimentos como um misto de ansiedade, emoção, apreensão e medo. Como seria a receptividade do público de pouco mais de mil pessoas na abertura do festival Cine Ceará, a maioria convidados, mas também gente comum que pôde pegar 200 convites na véspera?
“Espero que seja muito quente. Tem um elemento nessa equação que é o Nordeste, a resistência, a trincheira”, disse o diretor, adiantando sua posição contrária a cortes na cultura e a um eventual fim da Ancine (Agência Nacional do Cinema).
Foi o tom que embalou seu discurso ao ser homenageado antes da sessão. O prêmio foi entregue pela atriz Fernanda Montenegro, que participa de “A Vida Invisivel”.
E a reação do público foi quente, como Aïnouz previu. Ao chegar, ele foi muito aplaudido ao passar pelo centro do enorme salão que forma o São Luiz, cinema de rua que pouco lembra as salas atuais. Inaugurado em 1958, preserva a grandiosidade, com lustres gigantes e um piso superior que justifica ele ser chamado de cineteatro.
Antes do início do filme, um convidado de última hora também recebeu aplausos. Era Fernando Haddad, candidato à presidente derrotado em 2018, recebido aos gritos de “Lula Livre”. Ciro Gomes, outro ex-presidenciável, esteve presente, além do governador do Ceará, Camilo Santana (PT), que prometeu investir mais em cultura até 2022 —segundo ele, em caminho inverso ao governo federal.
Em seu discurso, Aïnouz prestou apoio a protestos que ocorrem na Universidade Federal do Ceará contra a indicação do novo reitor, Cândido Albuquerque, feita por Jair Bolsonaro. O diretor falou ainda da importância de um filme brasileiro ser indicado ao Oscar em meio ao “obscurantismo que pode afetar a cultura”.(folha)