Polícia promove reencontro de irmãos após 47 anos separados
Grupo conhecido como ‘caça-fantasmas’ faz buscas em locais como albergues, asilos e hospitais
Para conseguir tocar a vida e deixar de lado pensamentos recorrentes, a cozinheira Maria Soares da Silva, 66, decidiu decretar, para si mesma, a morte do irmão.
Foi assim até que um telefonema da polícia, no início deste ano, a fez mudar a versão da história.
“Você tem certeza de que ele está morto? Viu o atestado de óbito? Porque acredito que nós o encontramos”, disse do outro lado da linha a auxiliar de papiloscopia Marta Ferreira Cheles da Silva, 51, integrante de um grupo da Polícia Civil de São Paulo especializado na identificação de pessoas desconhecidas ou sem identidade certa.
Emocionada diante da possibilidade de rever o irmão após 47 anos, ela entregou o telefone ao marido, Antônio, 71, para que ele pudesse acabar a conversa com a polícia.
Marta foi testemunha do momento em que Maria disse não ter dúvidas de que o sexagenário à sua frente era o mesmo menino de suas memórias.
“Não sabia que a polícia fazia coisas assim”, declarou Antônio aos policiais, que conseguem confirmar, em média, a identidade de 300 pessoas ao ano.
O grupo de “caça-fantasmas”, batizado oficialmente de Sim (Setor de Identificação Móvel), pertence ao instituto de identificação da Polícia Civil de São Paulo, o IIRGD, e trabalha para confirmar (ou descobrir) a identidade de pessoas que estão em locais como albergues, hospitais, asilos e unidades terapêuticas.
O irmão de Maria tem 61 anos, mas não consegue formular uma frase, devido a uma deficiência cognitiva não diagnosticada.
A equipe da polícia foi acionada pela coordenadora do SRT (Serviço de Residência Terapêutica) do Itaim Paulista (zona leste), Cíntia Ribeiro, para que tentassem identificar uma leva de dez pacientes que chegaram à casa no fim de 2018, transferidos de um hospital psiquiátrico de Sorocaba (99 km de SP), quase todos sem identidade. Cido, como é chamado pela família, era um deles.
As digitais de Aparecido foram enviadas a um banco de dados da Polícia Civil e confrontadas com as de 30 milhões de pessoas, mas nada foi encontrado.
O segundo passo foi buscar pelo nome entre os 45 milhões de RGS emitidos no estado, mas foi em vão.
Em uma folha entregue pelo hospital de Sorocaba, a equipe achou o nome do pai dele, o lavrador Gentil Soares de Araújo. Os policiais conseguiram uma enorme lista de possíveis parentes desse homem, morto há quase 30 anos.
Marta sentou-se em uma cadeira disposta a só sair de lá quando encontrasse alguém que conhecesse Aparecido. Logo na primeira ligação Maria atendeu.
O encontro dos irmãos se deu no início de fevereiro. Maria conta que Aparecido não era mais o menino de quem lembrava.
Foi Gentil, conta Maria, quem teve a dura missão de internar Aparecido, então com 14 anos, e o outro filho, José, com 10, na Santa Casa de São Paulo para cuidados psiquiátricos. O homem, que se mudara havia pouco tempo para a capital, não tinha como cuidar dos dois sem que o resto da família passasse fome.
Tempos depois, porém, os meninos foram transferidos a outras unidades, sem conhecimento nem autorização da família. Nunca mais tiveram notícias.
Um exame do DNA deve ser feito para a certeza total do parentesco, por questões legais.
Para Maria, contudo, não existem mais dúvidas, apenas um desejo: “Gostaria, agora, de reencontrar o outro irmão, o José. Eu rezo por ele todos dias”, diz. (Folha)