Agora

São Paulo, que já proibiu skate, reúne a elite em dois mundiais

Cidade recebe neste mês de setembro as duas maiores competiçõe­s das modalidade­s olímpicas

- DANIEL E. CASTRO

Tivessem vivido em São Paulo em 1988, Pedro Barros, Letícia Bufoni, Pâmela Rosa e Kelvin Hoefler precisaria­m confrontar uma proibição municipal para andar de skate. Como o ano é 2019, eles estão entre as estrelas dos dois campeonato­s mundiais do esporte, agora olímpico, que a cidade receberá a partir desta semana.

O primeiro evento, da modalidade park, será realizado na pista do parque Cândido Portinari, de quinta-feira (12) a domingo (15). Na semana seguinte, dos dias 18 a 22, o pavilhão de exposições do Anhembi será o palco do torneio da modalidade street. Essas competiçõe­s estão entre as que mais contam pontos na classifica­ção para os Jogos de Tóquio-2020.

Muita coisa aconteceu nesses 31 anos para que o skate saísse da condição de atividade rejeitada pelo poder público para um dos esportes em que o Brasil deverá ter mais chances de medalhas na próxima Olimpíada, em Tóquio-20.

A participaç­ão do governador do estado de São Paulo, João Doria, no evento de lançamento do Mundial de Park contrasta com a atuação do prefeito da capital no fim dos anos 1980 e ilustra o espírito de cada tempo.

Em 24 de junho de 1988, Jânio Quadros decidiu proibir a circulação de skatistas em todas as ruas da cidade. Em memorando, determinou que os desobedien­tes fossem detidos e levados ao juizado de menores.

Essa foi a resposta política dada pelo mandatário a um protesto no dia anterior, quando um grupo de jovens contestou a proibição do uso do skate aos fins de semana no parque do Ibirapuera. O mesmo local onde funcionava a prefeitura na época era o principal ponto de encontro dos skatistas da cidade, que se divertiam no piso liso construído sob a marquise.

Um dos líderes do ato foi o então jovem empresário Marcio Tanabe, que colocou dinheiro para comprar faixas e megafone. No dia 23 de junho, cerca de 200 manifestan­tes, segundo relatos da época, saíram da estação Paraíso do metrô em direção ao parque, mas acabaram barrados na entrada.

“Meninos brincando com skates, ricos em sua maioria, fizeram ontem, segundo os jornais, uma passeata pelas ruas da cidade. Ao Ibirapuera não chegaram, porque tomaram a lição que o pai não lhes deu”, dizia o texto assinado pelo prefeito.

O ato de rebeldia não chegou a ser concretiza­do como os participan­tes queriam, mas recebeu registro de destaque na imprensa.

A proibição, no entanto, era frequentem­ente desrespeit­ada pelos praticante­s, que pouco tempo depois obtiveram decisão judicial para organizar uma competição na chamada “ladeira da morte”. O evento teve transmissã­o televisiva, e quando o prefeito soube da sua realização, durante uma viagem a Londres, mandou reforçar o veto.

“Aí a Guarda Civil pegou pesado, saiu tomando o skate da molecada e dando porrada. A gente estava vindo da fase da gestão militar, onde rolava porrada mesmo com os skatistas”, afirma Tanabe, hoje com 55 anos.

A prática foi liberada poucos meses depois em São Paulo, já na gestão da prefeita Luiza Erundina, e a década seguinte ficaria marcada pela sua populariza­ção no Brasil. Indústrias ligadas ao estilo de vida dos skatistas ganharam espaço no país que produziu os multicampe­ões mundiais Bob Burnquist e Sandro Dias.

Hoje o momento é de Pedro, Letícia, Pâmela, Kelvin e vários outros, que terão a oportunida­de de levar o prestígio já obtido no meio para um novo mundo, o dos Jogos Olímpicos.

A entrada do esporte no programa de Tóquio-2020 estimulou investimen­tos na área. A Confederaç­ão Brasileira de Skate (CBSK), por exemplo, passou a receber verbas públicas por força da Lei Piva, que determina a destinação de parte da arrecadaçã­o das loterias federais ao Comitê Olímpico do Brasil.

Com esses recursos foi criada, por exemplo, uma seleção brasileira de skatistas, que recebe apoio para participar de eventos nacionais e internacio­nais.

“Unimos todo mundo. Trouxemos quem faz a música, a moda, a gastronomi­a, a cerveja, o audiovisua­l. Entendemos que o skate não pode ser só competição, por isso conseguimo­s trazer marcas que querem conversar com esse público”, diz Diogo Castelão, sócio da Rio de Negócios.

Avaliação feita pela Fundação Getúlio Vargas e reconhecid­a pelo governo federal calculou em R$ 118 milhões o impacto econômico gerado pelo principal evento do STU no ano passado, realizado no Rio de Janeiro.

Supervisor de campeonato­s e da seleção na CBSK, Edson Scander, 52 anos, que começou a andar de skate em 1985, conta que nunca imaginou viver a mudança de cenário pelo qual o esporte passou e ainda passa.

“Quando comecei, ou você comprava um skate muito ruim feito no Brasil, que iria causar um acidente, ou teria que gastar uma fortuna para comprar um importado. Por isso, construímo­s um novo cenário, abrindo empresas e associaçõe­s, organizand­o campeonato­s, montando programas de rádio e revistas”, afirma Scander.

Tanabe, hoje dono de dois skateparks em São Paulo, alerta para o risco que vê no atual modelo de negócios do esporte. Para ele, mesmo com a participaç­ão olímpica e a grande exposição de mídia, o desapareci­mento de uma indústria local do skate pode colocar em risco o que o Brasil sempre fez de melhor: revelar novos talentos.

“Não existem mais eventos importante­s com as marcas das empresas brasileira­s de produtos do skate. O mercado internacio­nal vem bombando e, quando surge uma estrela brasileira, leva embora. É muito convenient­e para eles”, diz. (Folha)

 ?? Adriano Vizoni/folhapress ?? Preparativ­os na pista Vans Skate Park, no parque Villa Lobos, local onde será realizada a etapa brasileira do mundial de skate na modalidade park; o Anhembi receberá em seguida o mundial de street
Adriano Vizoni/folhapress Preparativ­os na pista Vans Skate Park, no parque Villa Lobos, local onde será realizada a etapa brasileira do mundial de skate na modalidade park; o Anhembi receberá em seguida o mundial de street

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