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Emicida diz que tenta se blindar do preconceit­o e que já sofreu racismo

Rapper lançou recentemen­te a música ‘Amarelo’, que aborda também esses temas; cantor fala da infância

- BEATRIZ VILANOVA

O cantor paulistano Emicida, 34 anos, lançou recentemen­te a canção “Amarelo”, em parceria com Pabllo Vittar e Majur, em que fala de problemas como preconceit­o. Ele mesmo afirma que procura se blindar dessa situação no dia a dia. Fugindo de festas e grandes eventos, ele se mantém perto de pessoas cujas energias o fazem bem, o que o fez passar por “poucos” casos de racismo ao longo de sua vida, segundo ele mesmo diz.

Em um deles, que vivenciou ainda jovem, um vizinho o acusou indiretame­nte de ter roubado a sua casa. “‘Você não sabe quem foi, não?’, ele me perguntou. Quando ele foi embora, eu me questionei: ‘Por que eu iria saber quem roubou a casa dele?”, lembra. “Eu sei que o racismo existe e essas pessoas estão aí, mas eu me conecto com o que me leva para cima.”

O cantor diz perceber uma nova onda de racismo na política e uma guerra cultura no Brasil, com ascensão de pessoas que falam que “nazismo é de esquerda” e que a “escravidão não foi tão ruim”.

Na música “Amarelo”, ele fala um pouco sobre “este momento triste que estamos vivendo na política brasileira, de discursos nojentos”. Segundo Emicida, os brasileiro­s estão confundind­o força com violência e “os homens ainda não aprenderam a pedir socorro.”

“Mas nós vamos tomar nossa bandeira de volta. Acho que a gente tem que se apropriar desses símbolos, porque eles não são de direita ou de esquerda, são nossos”, afirma. “A ignorância, se você deixar, cresce. A gente está no meio de uma guerra e não está em posição de vitória. Temos que nos organizar e partir para as ações.”

Infância

O cantor, batizado de Leandro Roque de Oliveira, perdeu o pai muito cedo. Moradores do bairro paulistano Vila Zilda, no Tremembé (zona norte), viviam com o mínimo, “e quando tínhamos pouca comida, minha mãe [dona Jacira] dividia igual para todo mundo. ‘Se vai passar fome, vai passar fome no mesmo tanto’”, lembrou o cantor. “Gostaria de ter tido um cara que falasse para mim que ‘vai ficar tudo bem’.”

Fora de casa, o jovem Emicida “fazia bagunça”. Na escola, ele conta que aprontava com a intenção de ser colocado para fora da sala de aula.

“Quando a professora nos colocava para fora, nós íamos para o banheiro matar rato, de tanto que tinha. Era nosso esporte. Que a National Geographic não nos ouça.”

Segundo o rapper, a família e as dificuldad­es foram a “melhor escola” que ele poderia ter tido, e por isso ele valoriza tanto seu sucesso atual. “Minha vitória não é do cara que nasceu num barraco de madeira e agora é campeão ‘e vamos comprar carros e fazer selfies’. Isso para mim é mais próximo da derrota.”

Muito antes de chegar ao topo das paradas, Emicida tinha bastante medo dos palcos, mas já conversava com seu irmão sobre se tornar um músico, ao mesmo tempo em que lidava com o conflito de precisar ter um trabalho como “plano B”. A música deu certo e, ele lembra, até hoje sua carteira nunca foi assinada.

Emicida conta que sua mãe tinha receio da entrada do filho no mundo da música, uma vez que seu pai tentou por muito tempo ser DJ, sem sucesso. Nas palavras do cantor, seu pai “morreu frustrado”, e isso fez com que a mãe quisesse distância entre o filho e a música. Só foi aceitar quando percebeu a seriedade e o empenho dele no ramo.

Apesar de não apoiar a música a princípio, a mãe de Emicida sempre procurou dar o melhor para os filhos. A família viveu boa parte da vida em um barraco de um cômodo, com chão batido e goteiras. Na casa ao lado morava um dos tios do cantor, que, segundo ele, “espancava a mulher todos os dias”.

“Para a gente, isso era parte da rotina. Era ‘normal’. Até que um dia esse cara bateu tanto na mulher que ela fugiu da casa pelada. Nesse dia, minha mãe pegou nós quatro e disse que não ficaríamos lá”. Deixando ego e orgulho de lado, dona Jacira levou os filhos para a casa da mãe, vó de Emicida, com quem ela era brigada.

Na falta de referência­s masculinas, sua mãe foi essencial: “Ela arrumou um monte de casa para ir trabalhar e, em paralelo, voltou a estudar. Um monte de homem lixo passou pela vida dela. E ela segurou as rédeas como ninguém. Quando as pessoas me elogiam, eu respondo: você não viu o que minha mãe fez. Ela conseguiu pavimentar um lugar de onde eu pudesse saltar. Sem chão, ninguém salta.”

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@emicida no Instagram O cantor Emicida tenta driblar o preconceit­o; sobre o tema, lançou música ‘Amarelo’, junto com Pabllo Vittar e Majur

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