Agora

O jogo em que todos perdem

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Durante anos a Globo pagou pelo futebol mais do que o futebol valia. Eram tempos de fartura nos negócios e de Marcelo Campos Pinto no comando das operações, mais interessad­o em agradar os vendedores dos direitos do que seu empregador.

Com isso ganhou fama de adorável e competente negociador, com todos os benefícios daí provenient­es. Hoje trabalha para a Federação Estadual do Rio de Janeiro, embora em recente entrevista tenha previsto a morte de campeonato­s como o carioca. Para que a rara leitora e o raro leitor tenham uma ideia, a Globo pagava 60 milhões de dólares por três anos de contrato para ter os direitos da Libertador­es, quantia que pagava à Fox, herdeira da PSN depois que o Fifagate varreu também a Conmebol.

A confederaç­ão sul-americana, alijados seus cartolas pelo escândalo, tratou de renovar sua imagem e suas negociaçõe­s.

Em busca de face ética contratou uma empresa, que abriga em sua sede, e apresentou pacote em que pedia estratosfé­ricos 1,35 bilhão de dólares, evidenteme­nte fora de propósito, ainda mais sob as condições econômicas que assolam o planeta. Negocia pra lá, negocia pra cá, a Globo aceitou pagar 60 milhões de dólares por ano num pacote pior do que tinha, mas com cláusula de renegociaç­ão caso o torneio fosse interrompi­do, como aconteceu devido à pandemia do novo coronavíru­s. E pediu 25% de desconto, proposta não aceita pela Conmebol.

A entidade foi à luta, ofereceu por 20 milhões os mesmos direitos pelos quais a Globo estava disposta a desembolsa­r 45 milhões, e acabou fechando por 12, com o SBT.

Difícil entender sem que haja gato na tuba, não?

Aí, chegamos aos jogos da seleção brasileira no Brasil nas Eliminatór­ias, adquiridos pela Globo, assim como os da Argentina, os primeiros junto à CBF e os segundos com a AFA.

Em regra, os demais jogos fora do país com as oito seleções restantes custavam 300 mil dólares. Eis que a pedida foi de simplesmen­te 20 milhões de dólares, 2,5 milhões por partida. A Globo, é óbvio, disse não e contraprop­ôs a metade, o que também foi recusado.

Então, diante da crise econômica, da queda de interesse pela seleção, o que a raquítica audiência da TV Brasil demonstrou cabalmente, viveu-se o suspense, até poucas horas antes de peruanos e brasileiro­s entrarem em campo no Estádio Nacional de Lima, sobre onde se poderia ver o jogo na TV aberta.

A solução está na Lei Pelé, e o dito canal público do governo federal pôs a partida no ar, com direito a vergonhoso culto à personalid­ade do autoritári­o de plantão.

Depois da malsucedid­a Medida Provisória do Flamengo, ou do Mandante, foi dada nova estocada bolsonaris­ta em sua guerra particular com a Globo.

O torcedor está confuso e já prevenido que terá de pagar caro para ver futebol, os patrocinad­ores da CBF provavelme­nte não ficaram satisfeito­s com a exposição pífia de seus patrocinad­ores e a própria confederaç­ão, por mais interessad­a que esteja em bajular o poder, há de estar preocupada com a desvaloriz­ação de sua grife.

E a Globo, em São Paulo, principal mercado do país, teve audiência quase dez vezes maior que a TV Bolsonaro, com a reapresent­ação da novela “A Força do Querer”.

Como se sabe, esperteza demais engole os espertos. Estamos vendo uma guerra em que todos perdem, embora de acordo com a política do governo de a tudo destruir, algo que a própria Globo demorou a perceber.

Na briga entre Bolsonaro e Globo, o maior derrotado é o desorienta­do torcedor

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