Brasil mostra a cara do luto e batalha pela vida na pandemia
Números que expõem a tragédia do coronavírus no país estão refletidos no dia a dia das famílias
O Brasil chegou ao fim do primeiro ano de pandemia devastado por mais de 250 mil mortos, 13,4 milhões de desempregados, dois terços das famílias endividadas, 32 milhões de crianças e adolescentes sem atividade escolar ou em condições insatisfatórias de educação. Mais do que números, a tragédia que se abate sobre o país tem a cara dos brasileiros que batalham pela sobrevivência em meio ao luto generalizado.
O início da vacinação ainda é lento (apenas 3% das pessoas já receberam a primeira dose) e a perspectiva para os próximos meses é pouco inspiradora para quem vive o agora.
Na última quinta (25), enquanto o país batia o recorde de mortos por coronavírus em um só dia (1.582 em 24 horas), a reportagem conversou com a diarista Luzinete França de Almeida Andrade, 47 anos, sem emprego desde 18 de março de 2019. A pernambucana de Capoeiras vive em São Paulo há 23 anos, onde cria as filhas Maria Eduarda, 14, e Maria Luiza, 9. Durante a entrevista, contou que, naquela manhã, tinha apenas um copo de leite para dividir entre as meninas. “Tem dia que elas me perguntam o que vai ter para comer e eu não sei o que dizer.”
O arroz com feijão vem das doações da comunidade, mas carne, de qualquer
Ztipo, e outros itens comuns à mesa de muitos brasileiros são luxo inalcançável. O fim do auxílio emergencial contribuiu para a escassez. Por esforço, a diarista ainda tem teto próprio. A casa onde mora com as filhas no Jardim Elisa Maria, na Brasilândia (zona norte), foi construída com o salário de 16 anos em uma empresa.
A última ocupação desapareceu no início da pandemia. Ela fazia faxina para um casal de idosos do Limão (zona norte) três vezes por semana e recebia R$ 1.200 por mês. Por medo da contaminação dos pais, os filhos dos velhinhos dispensaram Luzinete. “Eles disseram que vão me chamar de volta quando isso passar.”
Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE, 50,6% da população em idade para trabalhar esta desocupada no país.
A diarista sabe dos riscos da Covid, que matou dois de seus tios, mas a necessidade imediata a levou a buscar latas para reciclagem nas ruas. Consegue até R$ 50 por semana, que usa no mercado. Pequena parte do dinheiro vai para o iogurte, o carinho para a mais nova.
As duas filhas tentam acompanhar as aulas pela internet, paga pelo avô paterno. Tentativa de dar o ensino que Luzinete, com dificuldades de leitura e escrita, criada na roça, não teve. Hoje, isso é para ela obstáculo até para o preenchimento de uma ficha. “O que eu preciso é de emprego. Sou trabalhadeira desde criança.”