Agora

Mãe e filha, Jane e Lethicia vão juntas disputar Paraolimpí­ada

Dupla está separada neste domingo (9) por causa dos treinos de tiro com arco e tênis de mesa

- ALEX SABINO

Lethicia Rodrigues cresceu vendo a mãe sair de casa para competir e voltar com medalhas. Jane Karla Gögel abandonou o esporte em que era um dos principais nomes do país para abraçar outro, em boa parte, pela filha.

Elas ficarão separadas neste domingo (9), Dia das Mães no Brasil, para estarem juntas entre o final de agosto e início de setembro deste ano, em Tóquio. As duas estão classifica­das para a Paraolimpí­ada e treinam em cidades diferentes de Portugal, país em que vivem desde 2018.

Lethicia, de 18 anos, vive e treina em Sintra para a competição de tênis de mesa , 120 km distante de Jane Karla, de 45, que mora e se prepara para o tiro com arco em Almeirim, distrito de Santarém (94 km de Lisboa).

“Quando eu vi que havia essa possibilid­ade [de estar junto com a mãe nos Jogos], fiquei nas nuvens. Será minha primeira Paraolímpi­ada, e dividir esse momento histórico vai ser surreal. Eu quero aproveitar cada coisa nova com ela, que já é experiente e vai poder me ajudar em qualquer dúvida que eu tiver”, afirma Lethicia.

Jane Karla participou do tênis de mesa em Pequim-2008 e Londres-2012. Em 2015, migrou para o tiro com arco composto e disputou a Rio-2016.

“Todo o mundo falou que eu estava louca quando disse que ia mudar de modalidade”, relembra Jane, que teve poliomieli­te aos 3 anos e começou no esporte aos 28, em Goiânia. “Quando eu cresci, as pessoas com deficiênci­as eram afastadas. Nas aulas de educação física, eu ficava na sala fazendo trabalhos. Quando descobri o tênis de mesa, foi amor à primeira raquetada.”

A necessidad­e de ficar de pé para treinar e competir lhe causava fortes dores nos pés, algo que ela confessa ter sido insuportáv­el às vezes. Mas não foi por isso que trocou de esporte em 2016, meses antes da Paraolimpí­ada do Rio. Foi por causa da família. Um ano antes, ela e sua mãe, avó de Lethicia, tiveram câncer de mama ao mesmo tempo.

“Na preparação [para Rio2016], os atletas teriam de ir treinar em Piracicaba. Estava muito difícil para mim. Eu teria de deixar minha família em Goiânia, e todos tinham sofrido bastante. Queria estar perto deles. Decidi ir para casa”, completa.

Tiro com arco

Ela começou a procurar outra modalidade. Adorou esgrima, mas teria de viajar para o Rio Grande do Sul e treinar. Foi quando descobriu o tiro com arco. “Quando acertei o alvo pela primeira vez, pensei: este é o meu esporte”, enfatiza.

Virou obsessão, e ela passou a praticar todos os dias, de manhã até a noite. A primeira a chegar e a última a ir embora. Conseguiu a vaga para Rio-16.

Quando isso aconteceu, Lethicia já estava apaixonada pelo tênis de mesa. Iniciou aos sete anos por influência da mãe. Na época, disputava torneios para pessoas sem necessidad­es especiais. Isso durou até os 13, quando as dores a mantiveram em uma cadeira de rodas. Suas pernas travavam, e a garota não conseguia se mexer.

“Os médicos não sabem qual é a minha deficiênci­a. Não há um diagnóstic­o, mas acreditam ser algo genético que herdei da minha mãe. Eram crises de dores muito, muito fortes. Foi um período muito complicado, eu não conseguia andar, tinha inflamaçõe­s nas articulaçõ­es, desgaste no quadril. Parei com tudo”, lembra ela, que foi campeã brasileira mirim em duplas.

Após uma conversa de mãe e filha, a menina decidiu tentar a modalidade paraolímpi­ca. Ainda sente dores, mas as supera. “Meu joelho incha muito, mas não tenho aquelas crises de antes. O médico disse não aconselhar esportes de impacto, mas não quis me proibir. No fim, foi uma escolha minha continuar no tênis de mesa”, revela Lethicia.

Para as duas, depois de tudo, as vagas na Paraolímpí­ada de Tóquio serão a recompensa. Porque algo sempre colocado por Jane Karla na cabeça da filha é que o esporte paraolímpi­co não é algo social. Não é para apenas manter as pessoas em atividade. É competição, como qualquer outra. E em esporte de alto nível, que exige horas e horas de treino, isso significa sentir dor. Faz parte do pacote.

Lethicia garantiu a vaga para Tóquio em 2020, após uma etapa do Mundial. Melhor das Américas, ela disputa a classe 8 do tênis de mesa. A modalidade é dividida entre categorias de 8 a 10, de acordo com os problemas de mobilidade.

Até a semana passada, Jane Karla esperava a confirmaçã­o do seu lugar nos Jogos. Ela o havia conquistad­o, mas a vaga, de acordo com as regras, pertence ao país, não ao atleta. Teria de haver uma indicação da confederaç­ão da modalidade. Ela já recebeu o telefonema dizendo que poderia ficar tranquila. Vai a Tóquio.

“Não tenho nem palavras. Vai ser melhor ainda por estar junto com a Lethicia, uma torcendo pela outra. Será um momento único.”

Em Portugal, para onde se mudaram em 2018, o Dia das Mães é em 8 de dezembro. Mas isso não vai impedi-las de celebrar a data brasileira, mesmo que separadas pelos treinos. (Folha)

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Arquivo pessoal Jane (à dir.) e Lethicia, mãe e filha, passarão o Dia das Mães separadas pelos treinament­os, mas estarão juntas nos Jogos de Tóquio, em agosto
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Cezar LOUREIRO/MPIX/CPB Jane Karla compete no tiro com arco na Paraolimpí­ada do Rio de Janeiro, em 2016
 ?? Douglas Magno/exemplus ?? Lethicia em partida do Parapan de Lima, em 2019, no qual conquistou a medalha de bronze
Douglas Magno/exemplus Lethicia em partida do Parapan de Lima, em 2019, no qual conquistou a medalha de bronze

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