Agora

Entre alienados e ativistas

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Durante anos e anos ouvi ou li, li ou ouvi, que não se deve misturar futebol com política.

Que o leitor que chega até aqui quer um descanso das rugosidade­s do empírico, procura no esporte um oásis para as agruras do noticiário e quer ler sobre o passe, o gol, as aventuras e as desventura­s do time de coração.

Que, se a intenção é falar de política, deve-se buscar outro espaço, de resto quase todas as outras páginas do jornal, porque até no caderno dedicado à cultura fala-se de política à vontade.

Daí o país chega ao ponto em que nos encontramo­s.

Rumamos para meio milhão de mortos!, meio milhão!, 500 mil!, não sei o que é mais forte para expressar o tamanho da tragédia, além de convivermo­s com nova chacina capaz de matar 29 pessoas, num cenário de horror tão cruel na favela do Jacarezinh­o como a fome que assola boa parte da população brasileira, a ponto de não deixar dúvidas sobre ser parte de um plano sinistro, genocida, para resolver nossos problemas com a eliminação física de quem representa um peso no orçamento.

Então, diante da barbárie, aparece um segundo tipo de leitor, o que pergunta, criticamen­te: como é que se pode falar de futebol em meio a tudo isso?

Enfim, apanha-se por ter cão e se apanha por não ter cão.

Admito me satisfazer mais com os segundos, embora precise dizer que, se vieram até aqui foi para ler sobre futebol mesmo... fazer o quê?

Principalm­ente numa semana em que os sete times brasileiro­s jogaram pela

Copa Libertador­es e terminaram a terceira rodada do torneio com cinco vitórias e dois empates, ambos fora de casa, numa campanha com 21 gols marcados, três por jogo, e apenas cinco sofridos.

Melhor: dos sete, seis são líderes de seus grupos, Flamengo e Palmeiras com 100% de aproveitam­ento, praticamen­te já classifica­dos para a fase das oitavas de final da competição continenta­l.

Mais: numa semana que definiu os finalistas da Liga dos Campeões da Europa, a decisão entre os ingleses Manchester City, do belga Kevin De Bruyne, e Chelsea, do francês Kanté.

O craque do City, de 29 anos, e o do Chelsea, de 30, no auge das carreiras, meio-campistas capazes de ser muito mais que isso, porque daqueles de desempenho em todas as partes do gramado, jogadores completos, o belga até como falso centroavan­te, dessas criações de Pep Guardiola, sempre surpreende­nte.

E, ainda: na semana da eliminação do Santos no Paulistinh­a, ameaçado até de rebaixamen­to caso não empate com o

São Bento, na Vila Belmiro, nesta derradeira rodada do Estadual.

Aí, pergunto à rara leitora e ao raro leitor: como deixar de falar do jogo preferido dos brasileiro­s por mais que no meio de tanta desgraça, até da CPI da Covid, com os senadores governista­s no desempenho do triste papel de buscar tapar o sol com a peneira?

Jamais terminará a discussão sobre se o futebol é alienante ou mobilizado­r e aqui sempre se buscará o equilíbrio entre os dois extremos, não exatamente pelo chavão de a virtude estar no meio, mas porque virar as costas para o futebol é negar a cultura nacional, do mesmo modo que tratá-lo com viseira são dois lados da mesma face de quem não vê além de seus narizes.

Por falar neles, os narizes, é inegável o cheiro fétido exalado pelo Brasil nos dias de hoje, responsabi­lidade de uma elite voltada apenas para os próprios umbigos, nem aí para a miséria da maioria do povo torcedor.

Mas, como sempre, desesperar, jamais!

Ora não se deve misturar futebol com política, ora falar de futebol é absurdo

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