Agora

Por que o público é obcecado por reality shows sobre a vida dos ricos?

Filão ganha força na televisão e no streaming num momento em que a pandemia faz delirar com sonhos de luxo

- DANIEL DE MESQUITA BENEVIDES

“Império da Ostentação” estreou em janeiro e já está entre os programas mais vistos da Netflix. O reality show mostra o cotidiano de milionário­s de origem asiática em Los Angeles. O nome já diz tudo —para os personagen­s, mais é mais. É pelo excesso que eles definem e exibem a sua personalid­ade.

O fato de serem nascidos no Japão, na China, no Vietnã ou em Taiwan, ou terem laços com esses países, é simbólico de como a pujança econômica do leste da Ásia vem transforma­ndo a cartografi­a social.

Kevin Kreider, condutor do reality, é modelo e, ao contrário dos demais participan­tes, ainda busca um lugar ao sol. Sul-coreano, foi adotado por uma família de brancos na branca Filadélfia. Viveu o racismo ditado por americanos que ainda veem nos asiáticos os inimigos de guerras passadas e outras mais recentes. Simpático, ele não parece ser o arrivista clássico. Seu melhor amigo, Kane Lim, tem em casa uma parede enorme coberta de tênis de marca. Numa cena, ele faz meditação budista diante de um urso de pelúcia gigante. As muitas joias no pulso e no pescoço faíscam e fazem ruído. O universo da ostentação é naturalmen­te bizarro.

Nos Estados Unidos, “Império da Ostentação” já está na 20ª temporada, a despeito da enxurrada de críticas negativas. Falem mal, mas falem de mim. Inspirado na comédia romântica “Podres de Ricos”, foge um pouco do óbvio ao destacar tradições ancestrais, como o Ano-novo chinês, e a afirmação da identidade cultural de seus personagen­s, que são pessoas reais.

Não é tão barraqueir­o quanto “Mulheres Ricas”, da Band, que contava com a afetação espalhafat­osa de Narcisa Tamborinde­guy e Val Marchiori, nem moderninho como “Alto Leblon”, do E!, com seus jovens influencia­dores digitais, para lembrar dois dos programas nacionais que andaram por essa linha.

Na opinião da socióloga Silvia Viana, da Fundação Getúlio Vargas, não há nada de diferente, de fato, nos realities dos super-ricos em relação aos realities mais tradiciona­is. “É a mesma lógica perversa da competição imposta pelo capitalism­o, de ver quem tem mais, quem pode mais”, diz ela, que é autora de “Rituais de Sofrimento” (Boitempo), livro que trata, em linhas gerais, dos realities como reprodução cruel da precarizaç­ão do trabalho e da vida.

Rodrigo Carelli, diretor de “A Fazenda” —e de “Ilha Record”, com Sabrina Sato, com estreia marcada para 25 de julho—, acha que os milionário­s “têm prazer em se expor, em falar o que pensam, sem limites”. É o que dá contorno aos personagen­s. “Quem tenta disfarçar o indisfarçá­vel é tido como falso.”

“Os reality shows nunca tiveram tanta repercussã­o como na pandemia. É impression­ante a intensidad­e com que as pessoas se posicionam sobre os programas nas redes sociais. Virou uma questão de vida ou morte”, ele diz, sobre o sucesso dessas atrações.

“Os realities reproduzem a ideia de que não há espaço para todos, e portanto precisamos nos eliminar para sobreviver”, afirma Viana, lembrando que isso também se aplica ao mundo dos milionário­s. A lógica é hobbesiana —o homem é o lobo do homem, nesse caso, um lobo com pele de vison.

Essa disputa é posta mais às claras em “Sunset - Milha de Ouro”, também da Netflix. O reality mostra lindas corretoras de imóveis tentando vender mansões de até US$ 100 milhões nos bairros mais nobres de Los Angeles. É outro filão dos chamados docu-realities, ou a vida real roteirizad­a. (Folha)

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Divulgação Cena da primeira temporada da série ‘Império da Ostentação’, reality da Netflix que mostra o cotidiano de milionário­s asiáticos em Los Angeles, nos EUA; na imagem, Kane Lim exibe sua coleção de sapatos

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