Newcastle é nova tentativa de árabes mudarem sua imagem
Compra de clubes seria com a intenção de esconder violações dos direitos humanos nos países
Nenhum torcedor do Newcastle United com menos de 50 anos viu seu time ser campeão. A última conquista foi a Recopa europeia, em 1969. Para vários deles, pouco importa quem comprou o clube. Interessa que o dono tem dinheiro para tirá-los do jejum. Ou, para usar uma expressão comum no Reino Unido, é mais rico do que Deus.
Neste domingo (17), a equipe jogou em casa pela primeira vez desde a compra do fundo soberano da Arábia Saudita, há duas semanas. O Public Investiment Fund tem patrimônio avaliado em US$ 435 bilhões (R$ 2,4 trilhões). A negociação fez do Newcastle o clube mais rico do mundo.
Na partida diante do Tottenham Hotspur, vencida pelos visitantes por 3 a 2, pela Premier League, torcedores compareceram com roupas árabes. Meio brincadeira, meio celebração, interrompida apenas quando uma pessoa passou mal nas arquibancadas e teve de ser atendida por equipe médica. Isso fez o jogo ser interrompido por 15 minutos..
Nem todos compartilham a empolgação.
“Desde o primeiro momento em que se falou sobre esta negociação, dissemos que representava uma tentativa das autoridades sauditas de lavar a imagem do seu horroroso recorde em direitos humanos com o glamour do futebol. Isso é muito mais sobre manejar a imagem do príncipe Mohammed bin Salman e seu governo do que sobre futebol”, afirma Sacha Deshmukh, diretor executivo da Anistia Internacional.
Em inglês, ele usa termo que não sai do noticiário desde que o fundo saudita concordou em pagar R$ 2,2 bilhões pelo clube inglês: sportswashing. Intraduzível, significa exatamente o que Deshmukh descreveu. Usar a imagem positiva do esporte para mudar a percepção de uma pessoa. Ou no caso do Newcastle, um país.
O fundo é controlado pela família real da Arábia Saudita. Isso significa estar nas mãos de bin Salman, acusado de envolvimento na morte do jornalista Jamal Khashoggi, crítico do regime, esquartejado dentro da embaixada saudita em Istambul (TUR) em 2018.
“A situação dos direitos humanos na Arábia Saudita permanece terrível para críticos do governo e ativistas dos direitos da mulher. Estes são perseguidos e presos, muitas vezes com julgamentos forjados”, completa Deshmukh.
A Arábia Saudita não é a única nação a investir no que passou a ser chamado de sportswashing.
A própria Anistia Internacional já havia protestado quando Thaksin Shinawatra, primeiro-ministro da Tailândia, se interessou em comprar o Liverpool em 2004. Alvo de um golpe de estado, ele adquiriu o Manchester City três anos depois, apesar das acusações de corrupção e abusos dos direitos humanos. (Folha)
Seria o mesmo clube a ser comprado em 2008 por grupo que pertence à família real dos Emirados Árabes. Nação que, assim como a Arábia Saudita, reprime críticos do governo, restringe os direitos das mulheres e onde não há democracia.
O City, no final de tudo, pertence a um estado. Da mesma forma que o Newcastle. E a Arábia Saudita pensa em ter um portfolio de equipes ao redor do mundo. Igual aos Emirados Árabes, donos ou com participação em 10 clubes por meio do City Football Group.
A empolgação da torcida do Newcastle é parecida com a mostrada pela do Paris Saint-germain, que foi comprada pelo Qatar Investiment Authority, o fundo soberano do Qatar.
“A associação com um time de elite no futebol é um meio atrativo de mudar a percepção de uma país ou uma pessoa com reputação manchada”, diz Deshmukh.
A Anistia Internacional pleiteia que a Liga Inglesa coloque o passado democrático e de respeito aos direitos humanos como condição para a compra de clubes por indivíduos, empresas ou fundos. (Folha)