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Newcastle é nova tentativa de árabes mudarem sua imagem

Compra de clubes seria com a intenção de esconder violações dos direitos humanos nos países

- ALEX SABINO

Nenhum torcedor do Newcastle United com menos de 50 anos viu seu time ser campeão. A última conquista foi a Recopa europeia, em 1969. Para vários deles, pouco importa quem comprou o clube. Interessa que o dono tem dinheiro para tirá-los do jejum. Ou, para usar uma expressão comum no Reino Unido, é mais rico do que Deus.

Neste domingo (17), a equipe jogou em casa pela primeira vez desde a compra do fundo soberano da Arábia Saudita, há duas semanas. O Public Investimen­t Fund tem patrimônio avaliado em US$ 435 bilhões (R$ 2,4 trilhões). A negociação fez do Newcastle o clube mais rico do mundo.

Na partida diante do Tottenham Hotspur, vencida pelos visitantes por 3 a 2, pela Premier League, torcedores comparecer­am com roupas árabes. Meio brincadeir­a, meio celebração, interrompi­da apenas quando uma pessoa passou mal nas arquibanca­das e teve de ser atendida por equipe médica. Isso fez o jogo ser interrompi­do por 15 minutos..

Nem todos compartilh­am a empolgação.

“Desde o primeiro momento em que se falou sobre esta negociação, dissemos que representa­va uma tentativa das autoridade­s sauditas de lavar a imagem do seu horroroso recorde em direitos humanos com o glamour do futebol. Isso é muito mais sobre manejar a imagem do príncipe Mohammed bin Salman e seu governo do que sobre futebol”, afirma Sacha Deshmukh, diretor executivo da Anistia Internacio­nal.

Em inglês, ele usa termo que não sai do noticiário desde que o fundo saudita concordou em pagar R$ 2,2 bilhões pelo clube inglês: sportswash­ing. Intraduzív­el, significa exatamente o que Deshmukh descreveu. Usar a imagem positiva do esporte para mudar a percepção de uma pessoa. Ou no caso do Newcastle, um país.

O fundo é controlado pela família real da Arábia Saudita. Isso significa estar nas mãos de bin Salman, acusado de envolvimen­to na morte do jornalista Jamal Khashoggi, crítico do regime, esquarteja­do dentro da embaixada saudita em Istambul (TUR) em 2018.

“A situação dos direitos humanos na Arábia Saudita permanece terrível para críticos do governo e ativistas dos direitos da mulher. Estes são perseguido­s e presos, muitas vezes com julgamento­s forjados”, completa Deshmukh.

A Arábia Saudita não é a única nação a investir no que passou a ser chamado de sportswash­ing.

A própria Anistia Internacio­nal já havia protestado quando Thaksin Shinawatra, primeiro-ministro da Tailândia, se interessou em comprar o Liverpool em 2004. Alvo de um golpe de estado, ele adquiriu o Manchester City três anos depois, apesar das acusações de corrupção e abusos dos direitos humanos. (Folha)

Seria o mesmo clube a ser comprado em 2008 por grupo que pertence à família real dos Emirados Árabes. Nação que, assim como a Arábia Saudita, reprime críticos do governo, restringe os direitos das mulheres e onde não há democracia.

O City, no final de tudo, pertence a um estado. Da mesma forma que o Newcastle. E a Arábia Saudita pensa em ter um portfolio de equipes ao redor do mundo. Igual aos Emirados Árabes, donos ou com participaç­ão em 10 clubes por meio do City Football Group.

A empolgação da torcida do Newcastle é parecida com a mostrada pela do Paris Saint-germain, que foi comprada pelo Qatar Investimen­t Authority, o fundo soberano do Qatar.

“A associação com um time de elite no futebol é um meio atrativo de mudar a percepção de uma país ou uma pessoa com reputação manchada”, diz Deshmukh.

A Anistia Internacio­nal pleiteia que a Liga Inglesa coloque o passado democrátic­o e de respeito aos direitos humanos como condição para a compra de clubes por indivíduos, empresas ou fundos. (Folha)

 ?? Lee Smith/reuters ?? Jogadores observam o atendiment­o ao torcedor do Newcastle que passou mal durante a partida em que o time casa perdeu para o Tottenham
Lee Smith/reuters Jogadores observam o atendiment­o ao torcedor do Newcastle que passou mal durante a partida em que o time casa perdeu para o Tottenham

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